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A violência é um dos problemas mais urgentes e desafiadores da atualidade no Brasil. Apesar de estar concentrada em algumas zonas de um conjunto de grandes cidades, a violência é perceptível e impacta de forma decisiva também na sensação de segurança das populações das pequenas e médias cidades. As taxas de homicídio no Brasil estão entre as maiores do mundo e são 30 vezes superiores às médias europeias. A cada década morrem cerca de meio milhão de brasileiros assassinados. Nesse momento eleitoral, chama a atenção a proposta de se ampliar a comercialização e o acesso da população às armas de fogo. Assim, a pergunta que o eleitor deve se fazer é: armar a população é a solução?

O cerne do argumento armamentista é a noção de que a difusão de armas proporcionaria uma espécie de equilíbrio do medo, uma vez que criminosos e pessoas violentas ficariam acuadas pelo receio de se depararem com uma vítima armada. Logo, mais armas seria igual a menos homicídios.

Como todo fato social, a violência é também um fenômeno complexo e multivariado que tem relação, entre outros, com os níveis de pobreza, desigualdade, desemprego, policiamento, proporção de jovens na sociedade… Toda essa complexidade, porém, não impede que pesquisas sejam realizadas e avanços científicos sejam conquistados. Em geral, o que a investigação na área de criminalidade e segurança pública busca é isolar fatores diversos para compreender impactos de variáveis específicas. No Brasil e no mundo, um conjunto grande de trabalhos acadêmicos investigam a relação entre quantidade de armas de fogo e quantidade de homicídios.

Em 2015, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) reuniu as evidências empíricas sobre o tema e apontou para conclusões importantes e robustas[1]. Em geral, o aumento de 1% na quantidade de armas nas cidades amplia a taxa de homicídios em 2%. As pesquisas mostram também que a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento foi capaz de frear o crescimento da taxa de homicídios no país. Essa taxa, que crescia em diagonal reta e acentuada desde o fim dos anos 70, teve a primeira quebra em 2003. No período de 2003 a 2010, enquanto o país experimentou um ciclo de crescimento econômico com redução da pobreza e da desigualdade, as taxas se mantiveram estabilizadas. A partir de 2014, com a crise econômica e a explosão do desemprego, elas voltaram a subir.  O Atlas da violência mostra que em 2016, pela primeira vez, o país rompeu a fronteira dos 60 mil homicídios em um ano.

Mudança na tendência de crescimento dos homicídios no Brasil. Fonte: IPEA

O estudo do IPEA mostra que controle de homicídios não se deu de forma homogênea em todo o território nacional. Os estados que mais se esforçaram pela redução na quantidade de armas de fogo em circulação, como São Paulo e Pernambuco, foram justamente os estados que experimentaram as maiores quedas nas taxas de homicídio. Por outro lado, os estados que não controlaram a difusão de armas de fogo, como Pará e Maranhão, foram também os estados com as maiores elevações nas taxas de homicídios.

As evidências revelam ainda que as microrregiões do país com a maior quantidade de armas em circulação são também as microrregiões com a maior taxa de homicídios. Em 2010, a taxa média de homicídios nas 20 microrregiões com mais armas de fogo em circulação foi de 53,3. Nas 20 microrregiões com menos armas de fogo em circulação a mesma taxa foi de 7,2.  Vale notar que a microrregião de Barbacena, da qual Barroso faz parte, é destaque nacional como uma das que possuem a menor quantidade de armas em circulação e as menores taxas de violência e homicídios. A proposta de se ampliar o acesso às armas de fogo no país, portanto, pode sair como um “tiro pela culatra”, inclusive agravando o problema de segurança pública de uma região que, principalmente na comparação com resto do país, é bastante pacífica.

Microrregiões mais pacíficas e com menos armas. Destaque: microrregião de Barbacena. Fonte: IPEA

Ao longo de sua história, em diversos momentos, o Brasil adotou políticas que agravaram problemas já profundos. Os planos econômicos da década de 80 e o confisco da poupança na década de 90 são exemplos de medidas que foram implementadas no calor do desespero e que tiveram consequências trágicas para a sociedade. A facilitação da venda e a difusão do porte de armas é uma espécie de plano cruzado do combate à violência no país. Essa é uma medida heterodoxa, que apela para a emoção das pessoas, porém que tende a ampliar e não diminuir a violência e a quantidade de homicídios.

* Uma discussão mais aprofundada sobre o assunto, em vídeo (a partir do minuto 6:17), incluindo dados estatísticos comparativos entre Estados Unidos e Reino Unido, pode ser acompanhada no link -> https://www.facebook.com/DialogosGerais/videos/1790220181031538/

[1] As principais teses de doutorado consultadas foram os trabalhos de Gabriel Hartung (FGV, 2009); Marcelo dos Santos (USP, 2012) e Daniel Cerqueira (Puc-Rio, 2011), essa última vencedora de dois dos mais importantes prêmios acadêmicos nacionais: Anpec e BNDES.

por Antônio Claret.

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