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“A Cara de Barroso” desta edição traz a história de vida do Senhor Federal, proprietário de uma tradicional relojoaria no centro da cidade. A ideia para este perfil partiu do texto escrito pela psicóloga barrosense Josy Mendonça. (abaixo)

Confira e leia o texto dela ao lado. Desde a antiguidade, o homem criou meios de medir e compreender o passar do tempo. Para isso, diversas invenções e aparatos foram desenvolvidos até chegar ao que conhecemos hoje como relógio, um objeto que lembra compromissos simples do cotidiano, como o momento das refeições, dos estudos, do trabalho, do lazer, do descanso, do despertar. E é no Tic Tac de não apenas um, mas de dezenas deles, que o Senhor Darci Lopes, popularmente chamado de Sr.Federal, 74 anos, tem a incumbência de consertar e manter em funcionamento o dia a dia de muitos barrosenses. Foi nos longínquos anos de 1960, que seu pai, também um relojoeiro, confiou a ele, na época um jovem que acabara de servir o exército, uma nova missão que ia além de ajudar a manter e cuidar dos negócios da família, mas sim de preservar a história e a memória de muitos que recorriam a seus serviços.

No endereço de número 76, localizado próximo à antiga Rua da Mina, funciona há quase duas décadas a
“Relojoaria Federal – Consertos em Geral”, onde Darci continua a cumprir o seu dever de “guardião do tempo”.
Clientes chegam com seus relógios de diversos modelos, tamanhos e “idades” para que Federal os conserte.
Um ponteiro fora do lugar ou um alarme sem som não são um problema para ele.
Compenetrado e sem a ajuda de terceiros, Federal analisa cada peça que chega às suas mãos e, mesmo que lhe custe horas de trabalho, ele não descansa até devolver o tempo a quem lhe pediu ajuda.

Amigos entram e saem da relojoaria, a quem ele recepciona com um sorriso e coloca o papo em dia, mas em quase momento algum desgruda os olhos dos diversos relógios ao seu redor. Muitos desses relógios representam para alguém histórias que ainda estão por vir e, inclusive, lembranças do que já se foi. A hora exata do nascimento de um filho, a hora em que um casal trocou juras de amor, a hora da vitória do time do coração, a hora de festejar as boas vindas de um novo ano, da despedida de um ente querido. Há mais de 50 anos Darci ajuda a manter muitas dessas lembranças vivas no tempo de cada indivíduo que já passou por sua loja. Ele diz que não consegue se enxergar exercendo outro ofício que não seja este: o de preservar o tempo dos muitos que constroem a história e o legado de Barroso.

 

O Homem que conserta o tempo

Alguns lugares nas cidades do
interior serão eternos em nossa
memória e aqui em Barroso um desses lugares, na minha opinião, é essa relojoaria. Desde muito menina me lembro do meu pai dizer: “Tá larga a pulseira de seu relógio, leva lá no Federal” (era um belo relógio “Oriente”, o primeiro relógio que ganhei do meu pai de aniversário). Os relógios hoje são usados apenas como adereço, vez que os celulares cumprem a função de nos dizer as horas, a previsão do tempo, as tragédias
e tantas outras
informações inúteis e úteis.
Hoje voltei ao “Federal” e a
mobília, os montes de relógio
empilhados na mesa, a lupa presa aos olhos,o cheiro.
Tudo permanece igual.
É uma sensação de poder de fato consertar o tempo, pois, enquanto ele apertava a pulseira do meu relógio, eu observava os outros senhores sentados nas cadeiras que tem lá. Um deles, de pernas cruzadas, balançava o pé calçado com o chinelo “Havaianas” das correias azuis e o fundo já meio gasto pelo tempo, e lia o jornal.
O outro olhando para o céu disse que as nuvens estavam carregadas e que podia esperar chuva antes das 18 horas.
Pouco depois chega mais um e,
parado na porta, reclama da demora em consertar seu relógio
e logo depois pergunta:
“E o Flamengo?” e o que lê o
jornal responde: “ganhou”.
Notei que ali, além de o tempo ter parado nas mobílias e montes de pedaços de relógios empilhados na mesa, o tempo se conserta, em meio ao movimento da cidade, ali há tempo para o bom dia, para a
previsão do tempo, para a prosa
sobre o futebol e para a vida que não precisa ter pressa. Ali existe olho no olho e lembranças de um tempo que se eterniza no cheiro de coisa antiga, mas que não se joga fora, se conserta, acerta e aperta, troca a bateria ou da corda, mas não perde a utilidade.
Em tempos de celulares para tudo, não me lembro de onde deixei aquele relógio que ganhei
nos meus 12 anos…

Josy Mendonça

 

3 Comentários

  1. Seu pai Valdemar, tambem chamado Federal começou o oficio em sua casa, nos arredores de Prados. Relogios de trabalhadores da fabrica de cimento eram levados a ele. Até que o movimento cresceu e se mudou para Barroso, transferindo ao filho a missão outrora essencial para a população.

  2. Que bonita reportagem, bem merecido. Darci parabéns por ter continuado a missão que foi dada pelo tio Demar.

  3. Só um registro da matéria. Acho que ele seja esta la há mais de 30 anos.

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