Eu estava lá apenas de passagem. Nem mesmo me lembro do que fui fazer naquela cidadezinha do interior, onde Judas deve ter perdido as botas. E, lamentavelmente, testemunhei aquela cena violenta. Revejo-a como se estivesse acontecendo agora, enquanto escrevo este texto. Eu estava passando por aquela ruazinha, bem na frente da casa do brutamontes que era delegado do lugarejo. Aí ouvi o palavrão gritado dentro da casa, aquela exclamação de raiva. Olhei por um buraquinho na janela. E vi. Lá estava ele, a cara vermelha e os olhos brilhando de raiva. Ela estava no chão. Coitadinha, tão nova ainda. Ele a agarrou com os dedos grossos e meteu nela o pé e pisou nela com todo o peso do seu corpanzil, uma, duas, três vezes. Calcou-a no chão. Então deu um suspiro de alívio e, finalmente, abriu a porta e saiu para a rua, arrastando-a. Antes que ele saísse, eu me escondi atrás de uma carroça.
Disfarçadamente comecei a segui-lo. De vez em quando o delegado rosnava um palavrão, xingando a coitadinha. Ela apenas gemia a cada passo que ele dava, e ia deixando um sulco na poeira da rua. O delegado chegou ao cômodo da delegacia na esquina, abriu a porta e agarrou a pobre coitada, toda empoeirada, e a jogou lá no canto do cômodo, que era apertado e desconfortável como são em geral as delegacias nos lugarejos do Brasil. Tirou o paletó de brim, e o pendurou no encosto da cadeira velha. Daí, aos poucos, foram chegando os moradores do lugar: um para se queixar do vizinho; outro reclamando do burro do leiteiro, que todos os dias deixava um monte de estrume na frente do armazém do reclamante (estrume do burro, não do leiteiro); duas comadres queriam que o delegado convocasse a professora para justificar a razão de ter deixado os filhos delas de castigo porque brigaram na hora do recreio; e assim por diante.
Finalmente apareceu o cabo, comandante dos dois soldados do destacamento local. Bateu continência para o delegado, e reparou no aspecto dele, semblante sombrio, olhar cheio de raiva. Foi então que viu a coitadinha jogada lá no canto e exclamou: “Aí, sô delegado, comprou botina nova pra amansar seu calo bravo, heim!”
Por Paulo Terra
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