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Existe sempre uma máxima para cada forma de depreciação, um objetivo que leva nossa indignação às alturas, mas nem sempre ela vem acompanhada de fundamentos para que se prolongue a discussão ou que dela resulte uma solução no mínimo coerente. Um dos assuntos mais falados e menos compreendidos é sobre a tributação do Brasil. Isso ainda é agravado pelos anúncios de aumento tributário pelo governo federal em 2015. Além de extremamente complexo e embalado seu entendimento em um “tecnocratês”, o tema coloca a maioria da população fora desse sistema quase incompreensível e das discussões. Entretanto, a quem interessa o levar ao debate para soluções? Evidente ao povo miúdo, assalariado e quem vê seus vencimentos escorrer pelos dedos. Mas será mesmo que os tributos são desnecessários ao ponto de políticos, empresários de grosso calibre e grande parte da população reproduzir a negação da forma de arrecadação do Estado ou mesmo reduzir para o mínimo possível? Uma primeira resposta: nenhum Estado do mundo vive sem arrecadação! Porém as formas de manejar os tributos é o ponto nodal desse impasse.

É muito comum, e exaustivamente repetido, que “o Brasil tem a maior carga tributária do mundo” e que somos constantemente constrangidos em nossa capacidade de consumo por culpa do “imposto”. Além disso, colocam-se painéis digitais, como um cronômetro acelerado, que chamaram de “impostômetro” para atiçar a indignação da população. E a exclamação sempre é contra os tributos. Em outro lado, isso soa como uma verdade parcial, que não se refere àquilo que se deve, talvez, se mobilizar contra. Sempre se vê nos meios de comunicação uma convocatória, beirando à compulsão, de que temos que protestar contra a carga tributária excessiva. Mais uma meia verdade. Sem o imposto jamais teríamos a condição de ter acesso aos serviços públicos. Quanto à real qualidade desses serviços, a história muda. Aquilo que os governos nos oferecem é escandalosamente ruim, isso é fato. Contudo é importante que façamos uma distinção para que haja a possibilidade de lutarmos por aquilo que de fato tem a ver com nossa condição: diminuir a carga tributária é oposto de lutar por serviços públicos de qualidade. Se queremos ter uma postura combativa, que seja pela qualidade e uso coerente dos nossos tributos. Assim, tendo a interpretar que quando se vocifera para a diminuição dos tributos, almeja-se, por discurso indireto, uma prestação de qualidade daquilo que é público. Mas muitos tendem a defender a tese de que o não-tributo seja para que a capacidade de consumo seja maior. Entendo como outro equívoco (uma meia verdade), mas não injusto, afinal, tributos mal geridos, pesam no bolso do contribuinte.

Devido ao nosso pouco espaço, gostaria de brevemente discutir algumas desmistificações sobre os tributos no Brasil, porém com a intenção de direcionar para a ferida na qual realmente devemos pôr o nosso dedo. De acordo com os dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em relação ao Produto Interno Bruto, e relativo às esferas municipais, estaduais e a federal, o Brasil arrecada em média 35% do PIB em impostos, ocupando a 15° lugar de todos os Estados mundiais. Isso é sintomático, mas não explica por si só, pois são números que não transparecem a realidade e é uma análise geral. Em outra medida existe a arrecadação per capita que mede o quanto no ano cada cidadão compromete sua renda com tributos, que é em média, segundo os dados do IBPT em 2010, de 657 reais (desatualizado, mas as cifras atuais não variam muito desse valor). Nesse ranking que mede por pessoa o Brasil ocupa o 30° lugar entre todos os países.

Valores absolutos, como os do IBPT, representam apenas uma pequena parte daquilo que motiva nosso agastamento. Contrariando aqueles que dizem que o Brasil tem a maior carga tributária, ou que ocupa os primeiros lugares, os dados refutam esse clichê. Primeiramente, é equivocado não pela natureza das estatísticas, mas partindo de quem realmente paga mais e o que se é mais tributado. A injustiça do tributo, no caso brasileiro, recai sobre as más administrações (nas três esferas administrativas da federação) acompanhadas de corrupção (esta faz esvanecer nosso dinheiro) e da natureza de nossa tributação e não comparativamente pela quantidade percentual absoluta. O Brasil segue as médias mundiais.

Em primeiro lugar quem paga mais essa conta são aqueles 90% da população. Então, existe uma minoria rica que não sente sistematicamente a carga tributária brasileira. Segundo o estudo publicado no biênio 2009-2011 do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), o consumo popular é o mais taxado com 52%. Assim, quem paga a conta são os mais pobres e aqueles que possuem a maior dependência da eficiência de aplicação desse tributo pelos governos. Como resultado, além dos pobres pagarem mais, sofrem as consequências negativas dos maus serviços públicos: penalizados duplamente. Em outra parte, uma parcela da classe média, gasta duplamente com serviços, a exemplo da educação e da saúde, pois além da taxação sobre bens necessários (de consumo), com a finalidade teórica de receber tais serviços públicos satisfatórios, ainda sim pagam planos de saúde e escola particular devido à deficiência desses. Em suma, se pagam duas vezes é por causa da ineficiência daquilo que os governos nos oferecem.

Se o consumo é sobretaxado, os ricos e “ricaços” estão aquém dos pobres ou pelo menos sentem menos a carga tributária a eles colocada. Além disso, a suposta igualdade ou justiça no percentual tributário é uma ilusão. Supondo aquela alíquota sobre o consumo, de 52%, sobre um salário mínimo de 788,00 em 2015, e outro sobre uma renda de 20 salários mínimos, qual delas será mais sensível tendo reduzido sua capacidade de compra de itens essenciais? Resposta óbvia! Encontramos assim mais uma resposta para não ficarmos renitentes que o único problema é o montante tributário. Isso sim é injustiça! Com isso, fica como imperativo aquilo que Amir Khair, quem elaborou o Guia de Orientação para as Prefeituras – Lei de Responsabilidade Fiscal do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), em 2000, em entrevista à Revista Caros Amigos (Ano XVII, n°2013, 2013, p. 16): “Falando em carga tributária dá-se a impressão de que todos pagam a mesma porcentagem do seu salário. Não é bem assim, o Brasil tem outra característica que o distingue dos países mais ricos, pois nosso sistema tributário é regressivo, quanto maior a renda, menos é onerado o ganho por pessoa.” Como conclusão podemos ver que o problema brasileiro não é o volume da tributação, mas a quem e como se tributa além confirmar as nossas disparidades sócio-econômicas gritantes.

Dessa forma o nosso ataque envolve alvos errados e que se for lutar pelo justo que não compremos a briga de quem quer reduzir a tributação e quem encabeça manifestações do impostômetro, pois com o atual volume tributário iria favorecer um pequeno grupo e continuaria na mesma medida injusto. Nossa luta e pressões devem recair sim sobre a necessidade de serviços públicos de qualidade e para que se aplique a taxação de grandes fortunas e a tributação progressiva: quem tem mais, que pague mais. Isso, antes de tudo é justiça social. Fica, portanto, a fala do economista Marcio Pochmmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), na mesma edição da Revista Caros Amigos: “Nós temos o impostômetro numa região que pouco paga imposto relativo à renda (centro de São Paulo). Se era para construímos esse impostômetro, deveria ser dentro da favela, onde estão as pessoas que mais pagam em relação à sua renda”. Para finalizar, sobre os serviços públicos de qualidade, eles interferem diretamente na renda: se você não precisa gastar com planos suplementares de saúde ou pagar uma escola, por ter as governamentais de qualidade, o cidadão terá que direcionar menos de sua renda, pois só a do governo já basta, isso resultaria em “sobra” maior do montante de seu salário. Isso interfere diretamente nos índices da capacidade de renda per capita. Como atesta o economista Thomas Piketty, no livro O Capital do Século XXI, p.180: “Deve-se salientar que a diferença entre renda disponível (o quanto uma família dispõe em um ano) e renda nacional (somatório de todos os tipos de renda de um país em um ano) mede, por definição, o valor dos serviços públicos de que as famílias desfrutam diretamente, sobretudo os de saúde e educação financiados pelo governo. Tais ‘transferências em espécie’ têm tanto valor quanto as transferências monetárias contidas na renda disponível: elas evitam que as pessoas tenham de gastar quantias comparáveis ou até superiores com provedores privados de serviços de educação e saúde.” E que não lutemos por quem é refratário à térmica dos tributos.

Para saber mais:
ALLEGRINI, Gabriela. Pobre é quem paga a conta. Revista Caros Amigos. Ano XVII, n°2013, 2013, p. 14-17.
SINDIFISCO NACIONAL. Sistema tributário: diagnóstico e elementos para a mudança.In:<http://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9094:-sp-1120299005&catid=181:estudo-sobre-sistema-tributario&Itemid=249>.
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. <https://www.ibpt.org.br/noticias/3/estudos>
PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. Tad. Mônica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

 

Por Maurício Carrara

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