O primeiro ano de retorno às atividades acadêmicas presenciais, após dois anos de pandemia, foi marcado por episódios de ameaças de atentados e massacres em escolas de Minas Gerais
. Em meio à proliferação de células e grupos neonazistas, inclusive entre os jovens, e ataques a instituições de ensino no Brasil, que deixaram mortos e feridos, os casos locais também levaram medo a estudantes, docentes e familiares, mesmo sem envolver ações extremas. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) apontam que 354 ocorrências de violência no ambiente escolar foram registradas na cidade em 2022, até novembro. Em Minas Gerais, foram 11.740 casos. Entre os principais tipos estão furto, ameaça, vias de fato/agressão e lesão corporal.
A Sejusp destaca que o levantamento do Observatório de Segurança Pública, com base nos Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), os antigos boletins de ocorrência, incluem como local imediato creches, instituições de ensino particulares, municipais, estaduais e federais. Apesar de robustos, os números de violência estão abaixo daqueles contabilizados em 2019, antes do período pandêmico. Naquele ano, houve 483 registros de ameaças em colégios no município e 16.249 no estado. “O local imediato (filtro) utilizado para separar as ocorrências em instituições de ensino trata-se de uma referência e, por vezes, o fato ocorreu na proximidade da instituição, não em seu interior”, alerta a secretaria. “Não temos como filtrar a informação sobre o envolvido ser aluno, ex-aluno ou ter qualquer outro tipo de vínculo com a instituição de ensino”, complementa.
Um dos casos de repercussão de ameaças em colégios em Juiz de Fora aconteceu em 30 de junho, quando uma aluna do ensino fundamental, de 11 anos, foi flagrada portando uma arma de fogo na Escola Municipal Cosette de Alencar. Após a direção identificar que a menina estava com um revólver, a Polícia Militar foi acionada e constatou que o armamento estava sem munição. A estudante contou à PM que a arma seria do pai dela, um policial aposentado que trabalhava como porteiro. A criança acrescentou já ter comentado com um colega sobre o revólver, e o menino teria duvidado que ela levaria a arma para escola a fim de mostrá-lo, por isso carregou o objeto na mochila, sem o conhecimento dos pais, que o guardariam embaixo do colchão.
Em episódio anterior, em maio, o Colégio de Aplicação João XXIII solicitou apoio da segurança da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) após a circulação de bilhetes com ameaça de “massacre na escola”. Na época, a direção ponderou que dizeres semelhantes estavam sendo espalhados por várias escolas do país. “Embora seja uma ‘onda’ divulgada em redes sociais, consideramos irresponsável, causa impactos em nossa atenção e vigilância.” Pais relataram insegurança diante da ameaça. “Falava que dia 19 iria fazer um massacre na escola. Fiquei muito preocupado com meu filho que estuda lá”, afirmou um pai. O colégio chegou a fazer reuniões com responsáveis e estudantes para acalmar os ânimos, além de tomar todas as providências necessárias.
Uma das ocorrências mais recentes ligadas a violência no ambiente escolar foi registrada em 30 de novembro, no município de Ubá. Um adolescente, de 14 anos, flagrado com uma machadinha e um martelo dentro da mochila, teria confessado a intenção de promover massacre na Escola Estadual Coronel Camilo Soares. Nos pertences do aluno também havia um caderno com desenhos de um boneco atacando outros com as mesmas ferramentas. O jovem teria dito à polícia que aquele seria o “modus operandi” que pretendia executar. Também havia na mochila um bilhete com os dizeres: “Vou fazer um massacre com um machado e um martelo”.
O aluno pretendia escolher aleatoriamente suas vítimas e teria alegado que o motivo seria a sua infelicidade em relação à escola, à família e à vida. Ele ainda revelou ter tido a ideia após assistir na TV ao atentado a tiros ocorrido em dois colégios de Aracruz (ES) no dia 25 daquele mês. Os ataques, praticados por um jovem de 16 anos, deixaram quatro mortos e 13 feridos. Segundo a polícia, o crime no Espírito Santo foi planejado por dois anos, e o infrator usou duas armas do pai, um policial militar. O adolescente usava fardamento militar e tinha uma suástica, símbolo do nazismo, na roupa.
Outros casos graves também ocorreram em Minas nos últimos meses. Em dezembro, a Polícia Civil concluiu as investigações que apuraram ataques a duas escolas públicas localizadas em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os atos de depredação foram planejados por quatro adolescentes estudantes das instituições alvos de danos estruturais e pichações de símbolos nazistas. Eles vão responder pelos atos infracionais análogos a dano ao patrimônio público e ao crime previsto na Lei Antirracismo de propagação de símbolos que referenciam o nazismo. Os jovens utilizaram redes sociais e aplicativos de mensagem para o planejamento, semanas antes dos ataques, realizados em 29 de novembro nas escolas municipais José Silvino Diniz e Professora Maria Martins. Em depoimento, os infratores alegaram que se sentiam perseguidos pelas escolas e queriam chamar a atenção.
Levantamento do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil aponta crescimento de episódios envolvendo neonazismo no Brasil. Foram 49 casos em 2021, contra 21 em 2020. Até meados de 2022, já haviam sido contabilizadas mais 32 ocorrências. “Verifica-se que os episódios neonazistas praticamente dobram a cada ano: do total de 114 eventos, 12 ocorreram em 2019, 21 em 2020, 49 em 2021 e 32 apenas no primeiro semestre de 2022. Considerando os primeiros meses do ano, e supondo que o segundo semestre não será essencialmente diferente do segundo, inferimos que estes percentuais permanecerão na mesma ordem de grandeza”, observa a entidade. “Ataques a escolas no Brasil não são eventos isolados, mas fruto do ambiente em que proliferam células e grupos neonazistas – alguns escondidos na ‘deep web’, outros agindo livremente em plataformas públicas como Facebook e WhatsApp”, adverte o relatório. Os números consolidados de 2022 ainda não haviam sido publicados até a edição desta reportagem.
Via Tribuna de Minas