Com o aumento das mortes por causa do coronavírus e milhões de pessoas sem perspectiva de retorno à normalidade em suas rotinas, muitos procuram respostas sobre como uma pandemia chega ao fim.
Apesar das características próprias da Covid-19 e das incertezas sobre a características do novo coronavírus, especialistas do mundo inteiro se voltaram para a pior epidemia já enfrentada na história em busca de semelhanças que possam ajudar a responder questões da atual crise e possibilitar projeções para os próximos meses. Após varrer as principais cidades do mundo e matar de 40 milhões a 50 milhões de pessoas há pouco mais de cem anos, como a pandemia da gripe espanhola chegou ao fim?
“A gripe de 1918 está nos ensinando bastante neste momento. Foi uma epidemia que ficou esquecida durante muito tempo, mas, desde a década de 80, surgiram muitos estudos em vários campos do conhecimento. Acredito que ela possa nos ensinar muito sobre a crise que estamos vivendo. Mesmo com as várias diferenças do mundo do início do século passado, a gripe espanhola serve como um alerta para autoridades sobre a capacidade de impacto de um vírus”, avalia Liane Maria Bertucci, historiadora que coordena estudos sobre a história da saúde e das doenças na Universidade Federal do Paraná (UFP).
Autora da tese “A medicina enferma: ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo”, Bertucci conta que, mesmo com as restrições tecnológicas da época, as autoridades conseguiram mapear a chegada do vírus pelas cidades litorâneas – em navios que aportavam nos principais centros. “Não existia Ministério da Saúde, mas houve tentativas de respostas rápidas e de informar a população por meio dos jornais e dos folhetos. Assim como hoje, foram adotadas medidas de quarentena, com fechamento de escolas e vários estabelecimentos”, diz a historiadora.
Estima-se que a maior pandemia do século XX tenha matado cerca de 35 mil pessoas no Brasil, sendo 15 mil apenas na cidade do Rio de Janeiro – maior centro urbano e capital do país na época. Anos depois, surgiram mais detalhes sobre o vírus, um subtipo da influenza A (H1N1), que causou mais mortes dos que os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, que se encerrava naquele mesmo ano.
O pico da doença no Brasil aconteceu no final de 1918 e durou algumas semanas até que o número de mortes começasse a cair. “Os médicos perceberam que o auge da gripe espanhola teve a mesma média de outras gripes, que foi de seis a sete semanas em cada região. Neste período, o lugar é completamente varrido, dependendo de como medidas são implementadas; em seguida, registraram uma retração rápida. Em 1919, houve poucos registros de lugares com uma nova onda da epidemia”, explica Bertucci.
Houve medidas rígidas de isolamento
O auge e o declínio da gripe espanhola foram alvo de pesquisa do epidemiologista norte-americano Stephen Morse, da Universidade de Columbia, que comparou como diferentes cidades dos Estados Unidos atuaram no combate ao vírus há mais de cem anos. Lugares que adotaram medidas de isolamento mais rígidas tiveram escalas menores de mortes durante o pico da doença e conseguiram evitar uma segunda onda de infecção.
Segundo a pesquisa, na cidade de Filadélfia, onde se esperou para tomar medidas de restrição na circulação da população, houve o maior pico de mortes. Durante quatro semanas (em setembro de 1918), o número de vítimas aumentou significativamente e somente após outras quatro semanas os registros de mortes se reduziram. Em novembro, o número tinha caído significativamente. Já em Nova York, onde foram tomadas medidas antecipadas, o pico de mortes foi mais brando, mas a queda no número de contaminados levou oito semanas. Em poucas cidades norte-americanas foram registrados novos casos da gripe espanhola após o primeiro semestre de 1919, e, em 1920, os casos foram esporádicos.
Mortes por gripe espanhola
Índia: Entre 12 milhões e 17 milhões
China: 1,28 milhão
EUA: 500 mil a 675 mil
Alemanha: 400 mil
França: 400 mil
Japão: 390 mil
Reino Unido: 250 mil
Portugal: 120 mil
Brasil: 35 mil
Mundo: Entre 40 milhões e 50 milhões
*Não há dados oficiais de óbitos, apenas estimativas
O IMPACTO EM 1918
Saiba mais sobre a gripe espanhola
– Foi a maior epidemia registrada na história até hoje. O número de mortes é estimado entre 40 milhões e 50 milhões (não existe um dado oficial), mas acredita-se que, pelo menos, 600 milhões adoeceram com a doença.
– Entre março de 1918 e maio de 1919, houve três ciclos mundiais da gripe espanhola.
– O segundo ciclo, entre agosto e dezembro de 1918, foi o mais terrível e concentrou a maioria das mortes.
– O nome “gripe espanhola” indica equivocadamente o local em que o vírus surgiu ou teve maior impacto. País neutro na 1º Guerra, a Espanha não censurava notícias sobre a epidemia, daí se espalhou na época a ideia de que lá o número de mortes foi maior.
– Os primeiros registros do vírus são de campos de treinamento militar no interior dos Estados Unidos.
– As primeiras vítimas brasileiras da doença estavam ligadas ao navio Demerara, que veio da Europa, passou pela África e aportou em diversas cidades litorâneas do país, inclusive no Rio de Janeiro.