Uma sentença proferida lá no crepúsculo da história humana ainda serve para explicar a conotação negativa que o conceito de trabalho pode ter na vida de muita gente. “Com sofrimentos obterás do solo o teu alimento, todos os dias da tua vida” (Gênesis 3:17).
Para algumas pessoas, o ato de trabalhar está diretamente atrelado a sentimentos desagradáveis, como o estresse, a ansiedade e até mesmo a depressão.
Segundo alguns estudos, grande parte desse desconsolo ganha mais força nos domingos, principalmente a partir do cair da tarde. Conhecida como “sunday scaries” ou “síndrome do domingo à noite”, essa angústia antecipatória tem se tornado cada vez mais comum nos dias atuais.
Uma pesquisa, publicada em 2018 pela rede social voltada para relacionamentos profissionais LinkedIn, mostrou que 80% dos entrevistados afirmaram já ter sofrido dessa condição – a porcentagem é ainda maior entre os millennials e a geração Z: 90%.
“É uma espécie de humor depressivo, causado principalmente pela preocupação do retorno a mais uma semana de trabalho”, afirma a neuropsicóloga, professora e mestre em psicologia da saúde Vanessa Coelho de Sousa.
Segunda ela, a sensação é exatamente contrária à de conforto que sentimos às vésperas do início do fim de semana.
“Ela está tanto relacionada ao desconforto do trabalho quanto à nossa busca pela satisfação. Por exemplo, as pessoas tendem a gostar mais da sexta-feira porque é um dia associado ao prazer, aos momentos de descontração. Já o domingo significa o fim de um ciclo e nos lembra que tudo vai começar novamente – as responsabilidades, as burocracias, os aborrecimentos. Por isso ele traz essa inquietação para muitos”, destaca.
Embora não apareça na lista do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), Vanessa explica que o fenômeno pode ser altamente incapacitante.
“Ele gera uma sensação de desespero e desânimo porque está associado a sintomas de depressão e ansiedade”, diz ela, que aponta que os efeitos da pandemia serviram para agravar ainda mais o problema.
“Ele ficou mais comum no pós-pandemia porque muita gente regressou ao ambiente presencial depois de um longo período de trabalho em casa, onde as rotinas eram menos rigorosas. De volta aos escritórios, muitos têm que lidar com as pressões e o desconforto de seguir regras de novo. Isso pode criar muita tensão”, defende a especialista.
Alguns estudiosos sugerem que esse mal-estar pode estar relacionado de modo direto à crescente insatisfação profissional que ocorre no planeta.
“A ‘síndrome do domingo à noite’ pode acometer profissionais que estão insatisfeitos em seu trabalho ou aqueles para quem a sobrecarga de atividades vai além do que podem dar conta”, argumenta a psicóloga Ieda Guilhermano.
Para ela, o ritmo do mundo moderno, que tem feito muita gente questionar seu relacionamento com o trabalho – principalmente depois da pandemia da Covid –, também tem conexão com esse problema.
“Nossa relação com o trabalho vem mudando há muito tempo. Um bom exemplo é a forma como as gerações Y e Z se comportam no mercado profissional. Hoje é comum se notar uma não valorização de longas permanências na mesma empresa, assim com a busca de crescimento rápido e a aposta no home office como uma realidade viável”, observa Ieda, acrescentando que a sociedade está fazendo uma profunda reflexão sobre como o trabalho pode ou não influenciar nossa felicidade.
“Todas essas mudanças acabam provocando ansiedade e angústia no trabalhador e podem despertar ou reforçar manifestações como a da ‘síndrome do domingo à noite’”, avalia.
Diante de tanta transformação, é fundamental manter-se sempre atento para evitar que os sintomas desse transtorno não se tornem frequentes e nocivos, indica a psicóloga Laís Ribeiro.
“Quando o estresse e a ansiedade permanecem, prejudicando a qualidade de vida do indivíduo, o ideal é repensar como está sendo a rotina de trabalho e se existe a possibilidade de alterações em prol da saúde mental”, aconselha. “Caso o problema escale para outros tipos de transtorno – como o burnout, por exemplo –, é preciso buscar um tratamento com acompanhamento profissional”, complementa.
A psicóloga Érika Miranda concorda e vai além. “É importante avaliar o grau de satisfação diante das atividades executadas, ambiente de trabalho e os objetivos atuais que temos na vida. Se no geral eles não trouxerem satisfação, a melhor saída é considerar novas possibilidades profissionais e compreender quais são as metas e objetivos possíveis para a sua carreira”, recomenda.
Via O Tempo