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A ausência paterna nos registros oficiais é uma realidade crescente no Brasil. Em 2018, considerando dados dos cartórios de registro civil entre janeiro e abril, aproximadamente 5,3% das crianças haviam sido registradas apenas com o nome da mãe. Considerando o mesmo período, em 2020, esse índice subiu para 5,8% e, em 2021, foi a 5,9%. Agora, em 2022, o percentual escalou para 6,6%. Isso significa que, somente nos primeiros meses deste ano, o cadastro de quase 57 mil crianças não trazia informações sobre o pai.

Os dados são a face mais visível de um problema social que é ainda mais amplo. Estamos falando do abandono paterno, que não é praticado apenas por aqueles que sequer aparecem nos registros de seus rebentos. Não por acaso a expressão “maternidade solo”, que era usada para designar as mães solteiras, agora também é reivindicado por aquelas que, mesmo estando em uma relação, não contam com a ajuda de suas parcerias para a criação dos filhos.

Embora o abandono afetivo do genitor represente um descumprimento dos deveres do poder familiar previstos na legislação brasileira, citados nos artigos 229, da Constituição Brasileira, e 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na avaliação da psicóloga Graziela Alves, há, histórica e culturalmente, um ambiente favorável à negligência paterna – fenômeno que gera uma série de desdobramentos. “Para começar, enquanto eles costumam ser recompensados com melhores perspectivas em seus empregos após o nascimento de um filho, elas tendem a ser punidas, muitas vezes perdendo o emprego”, destaca, indicando como a maternidade parece representar o ápice da desigualdade de gênero na vida profissional. Indicador desse problema, um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), de 2017, apontou que quase metade (46%) das brasileiras fica desempregada no primeiro ano depois do parto.

O psicanalista e mestre em psicologia Hugo Bento também critica a forma como se constituiu, em nossa sociedade, um ambiente que normalizou o abandono paterno. “Efetivamente, os homens não costumam ser criados para o desenvolvimento do sentimento de paternidade e também não costumam ser responsabilizados pelo cuidado com o outro”, destaca, sublinhando que esse tipo de papel costuma ser atribuído às mulheres. Contudo, ele lembra que as funções de pai não estão condicionadas exclusivamente à figura do genitor. “Do ponto de vista da psicanálise, a paternidade e a maternidade são funções que podem ser desenvolvidas por outras pessoas que tenham vínculo com a criança – e é importante que haja o vínculo, porque essa função não pode ser desempenhada sem que a própria criança reconheça a autoridade parental”, descreve.

Via O Tempo

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