Foi com surpresa que muitos brasileiros viram o desempenho dos times locais na Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Afinal, passamos anos ouvindo nos canais esportivos sobre a existência de um abismo entre os principais times do Brasil e a elite europeia. Pior, com a eliminação de alguns campeões da Libertadores nas semifinais dos Mundiais de dezembro, passaram a dizer que nossa briga era com as outras confederações. Uma conclusão simples e errada para uma questão complexa.
Longe de estar contaminado por essa discussão, o técnico do Flamengo Filipe Luís disse o óbvio quando citou uma elite europeia formada por oito ou dez clubes que estão acima de qualquer time da Europa e do mundo, mas que o Flamengo poderia bater de frente com o segundo escalão do Velho Continente. A vitória categórica sobre o Chelsea está aí para não o deixar mentir.
O grande motivo para haver equilíbrio nos duelos entre sul-americanos e europeus na Copa do Mundo está na capacidade de competir dos times brasileiros e argentinos. Depois de anos vendo essa condição ser posta em dúvida, o que temos visto em gramados americanos é um equilíbrio que surpreendeu muita gente. Mas como explicar isso?
Antes de tudo, é preciso pensar no contexto. Até meados dos anos 1990, a chamada Copa Intercontinental tinha vantagem considerável dos times sul-americanos. Os mais velhos vão se lembrar de Flamengo 3×0 Liverpool e das vitórias do São Paulo de Telê Santana sobre Barcelona e Milan em 1992 e 1993. Foi quando a Lei Bosman (1995) mudou o jogo. Sem restrições para contratar jogadores da comunidade europeia e com margem para contratar os melhores jogadores do mundo, os ricos clubes europeus passaram a formar seleções transnacionais.
Desse ponto em diante, a disputa se desequilibrou a favor da Europa. Ainda tivemos Palmeiras, Vasco e Corinthians fazendo grandes jogos contra Real Madrid e Manchester United na virada do século, mas o que se viu nos anos seguintes foram times sul-americanos adotando a estratégia de jogar por uma bola. No caso de São Paulo, Internacional e Corinthians deu certo, mas ali estava claro que essa fórmula teria mais fracassos do que sucessos e isso nos trouxe para o cenário que tomou conta do imaginário brasileiro.
Contudo, algo começou a mudar por volta de 2019. Quando o Flamengo de Jorge Jesus enfrentou o Liverpool em pé de igualdade, ainda que tenha perdido na prorrogação, deixou uma base que o futebol brasileiro observou. Um olhar superficial poderia concluir que foi a simples contratação de um técnico estrangeiro, mas a mudança foi além disso. O futebol brasileiro se globalizou. E esse processo vai dos técnicos, passando pelos jogadores até chegar à estrutura, ainda que esta possa ser melhorada.
Embora sejam quatro times bastante distintos, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Palmeiras têm em comum a presença de jogadores (brasileiros ou estrangeiros) com experiência internacional e formas de atuar que estão em linha com as principais ligas do mundo. Conceitos como pressão pós-perda, compactação e transição passaram a fazer parte da cultura do futebol brasileiro e agora podem ser vistas pelo mundo inteiro.
Cenário esse que tem sido desmerecido por muitos que usam como principal argumento o fato dos times europeus estarem em final de temporada. Ora, estar no final de temporada sempre foi a realidade dos sul-americanos no Mundial de dezembro e nunca foi tratado como principal fator. Por que haveria de ser agora?
Felizmente os times brasileiros estão respondendo em campo. Enquanto o Fluminense só depende de si para passar de fase, Flamengo e Palmeiras ganharam seus grupos e o Botafogo conseguiu o gigantesco feito de se classificar para as oitavas de final vencendo o poderoso Paris Saint-Germain.
Tudo isso tem criado uma onda de euforia no Brasil que vem quebrando recordes de audiência na TV e no Youtube e fez a CBF colocar o Brasil como postulante à sede da competição em 2029. Polêmicas à parte, ninguém tem dúvida de que a Copa do Mundo do Clubes é um sucesso no Brasil.
por Michel Costa
Excelente texto, parabéns!!