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O tempo passou e não é segredo, muito pelo contrário; é notório e doloroso que o Golpe Militar daquele 31 de março de 1964 que destituiu o então presidente João Goulart do poder, implantou uma Ditadura Militar no Brasil que durou mais de 20 anos. Sem dúvida, o Golpe foi um marco de transformação dos panoramas sociais, políticos, econômicos e culturais no país, além de interromper a democracia e instalar um regime decididamente violento, que matou e torturou centenas de pessoas, dentre elas jornalistas, estadistas, músicos e artistas que precisaram fugir, de alguma forma, da fúria dos militares.

“Um certo dia bateu na porta da nossa casa um homem que jamais tínhamos visto, com roupa de militar toda suja e rasgada. Era um foragido dos porões da ditadura no Rio de Janeiro, que não sei porque veio parar aqui em Barroso e acabou ficando na casa da mamãe por uma semana. Demos a ele comida, banho, roupa e todo apoio, mas ao mesmo tempo morríamos de medo, pois ele era um foragido, um militante contra a Ditadura, e poderíamos sofrer represálias”, conta o empresário barrosense Eli Reis, 74 anos, que relembra o Golpe quando ostentava seus vinte e poucos anos na Barroso da década de 60.

Segundo o site de notícias da BBC Brasil, em matéria no último domingo, 31 de março, foram mais de 6,5 mil oficiais e praças presos, perseguidos ou

Empresário Eli Reis

torturados no Brasil. ”Foram tempos difíceis. Teve algumas coisas positivas economicamente, como obras e arrecadação de impostos recordes, mas me recordo também que estávamos, nós do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), organizando a vida de um candidato a deputado de São João del-Rei para um comício na praça, aqui próximo ao relógio atual, quando a polícia militar chegou e mandou parar com tudo. Tivemos que desfazer o caminhão que serviria de palanque, desligar o som e só fomos, poucas pessoas, receber ele lá na casa dos meus pais, aqui na Rua Coronel Arthur Napoleão”, conta Eli que, ao lado do companheiro Geraldo Acácio, mais tarde se tornaria vereador, também enfrentou o período da Ditadura em Barroso. “Lembro também quando Barroso e outras cidades da região ficaram sem policiais. Todos foram convocados e foram viajar, defender o poder porque o regime militar começava a perder forças no Brasil. Lembro de um cabo, muito conhecido na época, embarcando em um ônibus com uma espingarda nas costas. Isso não sai da minha memória”, relembra o empresário.

SENHOR MAZINHO

O que muitos não sabem é que a Barroso daquele fim de década de 60 sofria com uma companhia energética de qualidade muito limitada. Apenas uma Usina, em São João Batista, era a única responsável por alimentar uma cidade que crescia. E essa Companhia não conseguia mais atender ao município e por algumas vezes chegou a deixar a cidade no escuro, sem energia por uma semana. O estopim, para lideranças e populares organizarem um manifesto contra a empresa, que era de pessoas influentes do município. Segundo relatos, tochas foram acessas em uma dessas noites sem luz e um manifesto foi redigido contra a Companhia. Até então, mais um ato de liberdade de expressão e reivindicação. Só que nos anos 60 e 70 os verbos reivindicar e expressar não eram conjugados com tanta facilidade. O movimento feito por líderes e populares para que a CEMIG viesse para Barroso não foi visto com bons olhos, nem pelos empresários “coroneis” da época, nem pelo delegado lotado no município, que abriu um inquérito para apurar os fatos e chegou à conclusão de que houve exagero nas manifestações que assim como em todo o Brasil da Ditadura eram descritas como atitudes subversivas. Entre os líderes, apoiadores e defensores da nova companhia energética estava o chefe de executivo Inimá Rodrigues Pereira, o Senhor Mazinho. Aos 89 anos de idade e com problemas da saúde, Mazi-nho não pôde falar com a reportagem que ouviu da sua filha, a atual vereadora Vera Aparecida Rorigues Pereira, a Verinha, de 55 anos, sobre a perseguição sofrida pelo seu pai por ter encabeçado, ao lado de outros líderes, a vinda da Companhia Enérgia Elétrica de Minas Gerais, a CEMIG para Barroso durante o período da Ditadura. “Ele ficou com o nome registrado no Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, como subversista da época. Tudo isso porque essa empresa de energia de Barroso, na época, cobrava uma tarifa abusiva da prefeitura, maior do que a praticada naquele tempo por grandes empresas. Ele então, como chefe do executivo, passou a depositar o valor apenas em juízo e acabou sendo perseguido e denunciado por estes empresários”, relata a vereadora que também acrescenta que ao final foi provado que tudo se tratava de uma perseguição e o inquérito acabou sendo arquivado. “Mas ele teve que ir depor no DOPS e passou por momentos difíceis”, conta Verinha que faz questão de relembrar para que as pessoas possam entender o quão doloroso foi aquele período. “A gente tem que eliminar isso da humanidade. Existem várias formas de governo, mas nada justifica ditadura, seja de esquerda ou de direita. Nada”, diz a vereadora.

“Aquele período lembra o atual sobretudo no que diz respeito ao ressurgimento do discurso autoritário. O apreço pela democracia tem estado em baixa no Brasil”, diz Antônio relembrando que recentemente o atual Presidente do Brasil, eleito democraticamente, convidou as pessoas a comemorarem o Golpe e depois voltou atrás nas suas palavras e trocou a palavra comemorar por relembrar. “A grande lição histórica de abril de 1964 é a de que crises institucionais podem se degenerar em ditaduras rapidamente. JK apoiou Castelo frente à promessa de que haveria eleições em 1965. O grande político mineiro foi traído, perdeu seus direitos políticos, foi exilado e mor-reu sem nunca mais ver o seu país livre novamente”, relembra a história o sociólogo que acrescenta que os atuais e futuros vereadores e os cidadãos brasileiros saibam que democracia e liberdade são valores que todos precisamos defender e preservar sempre e contra qualquer sinal de tirania.

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