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“Conselhos ao povo da inspetoria de higiene: 

  • EVITAR aglomerações, principalmente à noite.
  • NÃO fazer visitas.
  • TOMAR cuidados higiênicos com o nariz e a garganta […]
  • AS PESSOAS IDOSAS devem aplicar-se com mais rigor ainda todos esses cuidados.”

Numa primeira leitura rápida, é possível pensar que essas recomendações foram publicadas em algum site nos últimos dias numa campanha de prevenção contra o coronavírus, certo? Porém, a verdade é que elas foram escritas em 1918 e veiculadas em jornais da época, como você pode ver abaixo. O objetivo era conscientizar nossos bisavôs e bisavós sobre formas de se proteger da gripe espanhola, que causava terror no mundo todo.

A gripe espanhola é considerada por muitos especialistas a mãe das pandemias: provocada pelo vírus influenza do tipo A H1N1, ela contaminou mais de 500 milhões de pessoas e provocou entre 17 e 50 milhões de mortes em 1918. Ao menos um quarto de toda a população do planeta se infectou com essa doença.

No Brasil, estima-se que a gripe espanhola tenha matado ao menos 35 mil pessoas. Entre elas, destaca-se o então presidente eleito Rodrigues Alves, que estava pronto para iniciar um segundo mandato como chefe da república. O político paulista não resistiu às complicações e morreu no dia 16 de janeiro de 1919.

Relembre a matéria que traz detalhes sobre as mortes por Gripe Espanhola em Barroso em 1918. Você sabia que a Praça do Cruzeiro, no Santa Maria, era um cemitério? Relembre aqui

A historiadora Christiane Maria Cruz de Souza, do Núcleo de Tecnologia em Saúde do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, levanta ainda outro ponto em comum entre a gripe espanhola e a Covid-19. “A liturgia das grandes epidemias é sempre muito parecida. Primeiro, as autoridades negam que ela existe, uma vez que é algo desconhecido e com potencial de abalar a economia e os sistemas de saúde. Muitos dos discursos das autoridades no início da pandemia de 1918 se assemelham ao que vemos hoje”, compara. 

Em artigos científicos, Christiane explorou como a gripe espanhola mexeu com o povo baiano. “Bares fixaram anúncios dizendo que a cerveja curava a gripe. O povo, num ato de desobediência civil, ignorava as orientações e seguia participando de enterros ou indo às missas. A estátua do Nosso Senhor do Bonfim teve que ser retirada do altar porque as pessoas faziam peregrinação para beijar os pés do santo, o que virou um ponto de contágio”, relata. 

POLÍTICA

Outro fator que assemelha o episódio de 1918 a 2020 é a questão do nome da doença: a pandemia do passado não começou na Espanha. Acontece que esse país era um dos únicos estáveis e democráticos naquela época, uma vez que muitas de suas nações vizinhas estavam envolvidas na Primeira Guerra Mundial. Como a imprensa espanhola era relativamente livre, foi uma das poucas a noticiar o aumento do número de casos e de mortes, o que gerou esse estigma que perdura pelas décadas. Até hoje não se sabe ao certo onde foi o início do problema, mas a maior suspeita são campos de treinamento militar dos Estados Unidos.

Esse mesmo dilema é visto nos dias de hoje: apesar de a Organização Mundial da Saúde ter tomado o cuidado de botar um nome no vírus (Sars-Cov-2) e na doença (Covid-19) que não tenham nada a ver com o seu nascimento na cidade chinesa de Wuhan, alguns políticos insistem em fazer essa estigmatização: o presidente americano Donald Trump já usou o termo “vírus chinês” algumas vezes. Esse discurso encontrou ressonância no parlamento brasileiro, em postagens no Twitter do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da república. O assunto gerou uma crise diplomática entre Brasil e China, um de nossos maiores parceiros comerciais.

Mas deixemos de lado a política e a diplomacia para voltar ao mundo das curiosidades: um efeito colateral da gripe espanhola no nosso país foi a criação de uma das mais tradicionais receitas brasileiras: a caipirinha. Como informa a reportagem do jornal El País, um dos remédios caseiros mais populares em São Paulo para combater o vírus era uma mistura de cachaça, limão e mel, os ingredientes básicos de nossa bebida mais famosa.

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