Setembro ainda voa longe do abril que se inicia, mas quando o 29 daquele mês for atingido, serão completados 51 anos de um dos momentos mais marcantes da história da música brasileira. Naquele 29 de setembro de 1968, atolado na Ditadura que infelizmente ainda se iniciava, no Maracanãzinho, Rio de Janeiro, o jornalista Hilton Gomes, “mestre de cerimônia” do IV Festival Internacional da Canção (FIC), anunciou a música 2º lugar e convidou seu autor/intérprete para reapresentá-la: a canção, “Caminhando” (ou ´Pra não dizer que não falei das flores´), do autor/intérprete, Geraldo Vandré! Foi a deixa para 20 mil pessoas que superlotavam o Maracanãzinho vaiarem o resultado, pois todos queriam Vandré como primeiro colocado e também acreditavam que se tratava de mais uma dos ditadores e seus bastidores.

Os versos de Geraldo Vandré ecoaram Minas afora e estacionaram no Campo das Vertentes, onde os reflexos da realidade se evidenciaram por aqui. Aliás, entre histórias de repressão e perseguição em Barroso, os caminhos da reportagem chegaram até a letra de uma música, guardada dentro de uma gaveta no bairro Santa Maria. E foi justamente essa música do cantor e compositor barrosense Júlio Dutra, na época com 22 anos, que trouxe uma viatura do quartel até o mesmo endereço no Santa Maria. O fato é que Júlio havia vencido um festival de música, evento muito comum dentro do período ditatorial, e causou revolta nas autoridades daquele tempo. Júlio foi o vencedor em um festival de música com a canção Canto o Recanto. Assim, no dia seguinte à conquista, o jipe do quartel estava em frente à casa de Júlio, para prendê-lo. Mas, o que as autoridades da época não imaginavam é que o cantor tinha amigos, também, nas dependências militares que lhe informaram sobre a prisão. “Eles vieram para prender ele, mas ele foi avisado por um amigo de dentro do quartel e fugiu para a Amazônia, onde viveu por um tempo e trouxe muitas recordações, além de grandes histórias”, conta o irmão Marquinhos Dutra que relembra que não podia rir muito naquela época. “O Júlio era mais velho e lembrava mais, mas eu me recordo dos policiais de capacetes redondos. Não podia rir muito naquele tempo não, foram momentos difíceis”, diz Marquinhos que recentemente foi vencedor em um festival em Nazareno com a música dos anos 70. “Para você ver como a música Canto o Recanto está atual até hoje”, relata o cantor que tinha a ajuda do irmão para afinar os instrumentos e por isso viveram muitos momentos ligados a música em Barroso. (Confira a letra abaixo).
Quando se fala em Júlio é impossível não lembrar e comentar Laudigério Moacir de Resende, o Gerinho, amigo inseparável desde os tempos de criança e que também viveu tempos difíceis naquela Barroso. “Realmente faltava opinião.Os militares não nos deixavam falar e muita das vezes nos expressávamos através da música. Agora, apesar de tudo, aquele tempo era melhor do que hoje”, recorda Gerinho que também conta que em um dos festivais eles dois subiram ao palco trajando roupas do exército e cantaram algo parecido como “vejam esse mundo sujismundo, lindos uniformes sujos, bem alçados e sempre com a razão”, o que para ele era uma forma de expressar a indignação contra um governo ditador da época. “Apesar de tudo, reafirmo, era um tempo muito bom”, diz Gerinho, que hoje vê o mundo muito diferente daquele tempo onde a música era uma forma de luta.
Canto o Recanto
Júlio César – 1980
Hei irmão!
Tá vendo essa gente morrendo de medo…
Que corre em troca de migalhas de pão
Que cumprem as leis por temer os reis Ditadores sujos
Malditos cães
Que não mordem,
mas ferem
Arrebentam a gente
que grita
Eu quero ser feliz
sem canhão
Hei irmão
Estão cortando o nosso sertão
Sangue dessa terra
Sangue desse chão
Derrubam, devastam
E o verde não volta
Eu grito, mas grito
sozinho! O que será de mim ou de minha canção? Sem o nosso verde ou sem meu sertão
Tá vendo essas grandes forças banais?
Que nunca aceitam
Em sermos iguais
Se julgam tão deuses
Seja na terra
Seja no céu
Ou seja no mar
Que matam e julgam
Escondem e roubam
E ninguém pode falar
Aceitem assim
Ou vão se dar mal
Ou vão te dá mal
Hei irmão
Por favor aprenda essa minha canção
E experimente a gritar um pouco
Você também pode
É seu esse chão
Escolha a sua flor e tente um jardim
E fale de amor
E vamos ser assim
E fale de amor e vamos ser assim