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Quando se pensa ou até mesmo diz: “Vamos fazer cultura!”, à afirmativa transpõe uma realidade inúmeras vezes incompreensíveis pelos sujeitos, sejam aqueles que pronunciam, que promovem ou os que consomem.

Pois, infelizmente, o uso recorrente de fazer cultura nas cidadelas, termo que poderia ser compreendido como fortaleza, torna-se aqui nesse pensamento textual pejorativo, uma vez que o sentido de fortaleza em cidades interioranas resume a (des)cultura, isto é, uma noção de cultura de massa que se corrompe a política, a falta de interesse e, sobretudo, a panfletagem de um discurso ineficaz e empobrecedor. A reflexão de cultura para esses sujeitos de “algumas” cidades do “interior” parte de uma definição de “massa”, ou seja, cultura para os arredios dos interiores, muitas vezes, é definida pelos cantores ou eventos que aproximam números avassaladores de público e/ou congestionamento entre as vias de uma vila a outra. Resumindo: o que pode gerar cifrões ou comentários pormenores na mídia.

O pensamento de cultura ou o que poderíamos trazer de definição a partir da sociologia, da antropologia, das ciências humanas torna-se muitas vezes nessas “cidades” uma ação do não real, já que o termo não é entendido por aqueles que governam. Sem dúvida, os que governam mal sabem interpretar o sentido de uma “mots-clés” de sua própria cidade. Com isso, a identidade cultural desses lugares resume a cidadãos que não possuem uma vida cultural, que não entendem o sentido do que poderiam fazer em seus finais de semana, pois aqueles que pensam e “governam” não sabe o sentido de sua própria identidade.

Para Stuart Hall, “a identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós” contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”.

Seguindo o pensamento do autor, pensa-se que, a realidade do sujeito quando conjugada aos valores culturais embebidos por esses tornam-se unificados de uma vivência cultural. Efeitos esses que se darão quando há um pensamento externo acerca desse fazer. As palavras que aqui expresso, é por entender que, na cidade de Dores de Campos, entre as décadas de 40 a 60, por melhor definir, possuía três cinemas de rua e neles aconteciam apresentações teatrais, pela época e os registros, Teatro de Revista; com o passar dos anos, a dizer pelos últimos 20 anos, a cidade paira por um vázio. O que se tem na cidade são duas bandas musicais centenárias de extrema importância, no entanto, o que as fazem vivas é o desejo daqueles que participam, pois não há projetos de revitalização e interesses que partam de um governo para fortificar a sua sobrevivência, isto é, não há leis de fomento à cultura para pensar em ações culturais que possam entender a importância das mesmas. Pois, sabe-se que, subvenção de recurso, entendido como uma parte minúscula de verba concedida para ações culturais, é muito pouco para o tamanho e pela história das referidas bandas. Os cinemas, que mencionei, hoje não mais existem, viraram padarias, casas, lojas. Os artefatos de couro que são produzidos na cidade são entendidos apenas como trabalho de sujeitos, não há distanciamento para identificar que a produção e a valia desses objetos que são confeccionados fazem parte de criações que poderiam ser entendidas como arte, pois são. Mas, em um relatório, referente ao ano de 2014, deixa-se claro os mais doze mil reais investidos em futebol, na pequena cidade. O que realmente certifica-se que o Brasil é um país do futebol. Por isso, um Amém para Alemanha, que apesar de jogar, sabe o quão importante é pensar em um país de primeiro mundo, de cultura, de educação.

O que demonstro neste texto é um desinteresse por aqueles que administram a cidade, pois entendem a cidade por aqueles únicos cifrões enviados pela União, jamais saberão que é possível arrecadar outros recursos através de inscrição de projetos nas leis de incentivos à cultura, através de parcerias com empresas que pudessem pensar em alternativas artísticas, mas não, percebe-se uma cidade escura, seja no sentido urbano da palavra, como no sentido cultural de ser.

Propor alguma coisa para cidade. Isso é importante. Penso eu. Mas, além de propor você precisa gerir até o encontro, para no fim, compreender que, aquilo que você propõe de alternativa cultural para a cidade não corresponde aos efeitos idealistas daqueles que a governam, pois investir em oficinas de teatro, peças, dança, música, “não rola” tem o carnaval, tem o evento x, y e z, e de certa maneira, os inúmeros zeros precisam ser contabilizados para uma grande massa. Dessa maneira, a costura de uma sociedade é pensada através de uma agulha, cuja perfuração dar-se-á pelos que governam, pois os pontos se dão em áreas de interesse, e o discurso, do “vamos fazer cultura” condiciona apenas ao crivo daquilo que acham justo investir.

A escrita não parte de um desabafo, mas sim por identificar o como a área da cultura é pensada como segundo plano, não basta colocar um secretário ou pensar em fazer isso ou aquilo, se o mesmo não pode tomar decisões que sejam importantes para urbe, pois o crivo final é de alguém que não entende o sentido de identidade cultural. Por isso, quando artistas, estudantes, educadores fazem propostas que são pensadas e oferecidas com fins de pensar em educação, pois cultura também é educação. Recebem não. Não a cultura. O teatro recebe não. Não para apoiar um projeto de lei. Não para apoiar uma oficina. Não para música. Não para criação de grupos artísticos. Não, não, não… não ao desenvolvimento cultural. E sim para violência. Sim para os bandidos. Sim para não segurança… Pois cidade sem planejamento cultural é dar ênfase aos problemas sociais, como diria Stuart Hall, a conjugação entre sociedade e sujeito se dá no efeito cultural.

Enquanto as pessoas pensarem em uma cidade por meio de minúcias, sejam econômicas ou partidárias, perceberão uma única coisa, se fixarão no tempo. Outra coisa, o que precisa nessas cidades são de pessoas que pelo menos passaram pelas Escolas e entendam o sentido de cultura, no mais basilar que seja. Mudanças e diferenciações só se dão através de cultura, pois o sujeito que se entende parte desse fazer, encontra-se um sentido amplo de unificação entre social e cultural. Aí perceberemos uma cidade com mudança. Cidade sem cultura é cidade morta.

 

Carlos Alberto Ferreira,

é produtor cultural e professor de artes.

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