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Outro dia, outro dia mesmo, a gente saia cedo de casa e sem hora pra voltar, e o máximo que poderia acontecer era tomarmos uma boa surra, daquelas que marcavam as pernas, só pelo simples fato de não avisar pra onde estávamos indo. Bons tempos! Nossa direção era outra. A gente ainda recorda daqueles chinelos grossos ou daqueles cintos de couro pesados, que de fato marcavam. E marcaram mesmo, marcaram uma geração que teve pernas marcadas, mas que de alguma forma, aprendeu. Talvez sim, com certeza sim. Absolutamente sim. Aprendeu.

Certo, errado, nem se questionava, marcavam pernas, nádegas e o que fosse, principalmente a memória, que hoje, surrada, nos remete aquela dor que nos colocava no nosso lugar! Exatamente no nosso lugar, nada além daquilo. Apesar de ser outro dia mesmo, o tempo passou, mentira, voou como voa a vida, e são outros, bem diferentes, muito diferentes, absolutamente diferentes.

O tempo é outro. E sinceramente, revendo o passado, achamos que não temos mais a coragem e nem a necessidade de marcar as pernas desta geração. Talvez nem seja preciso, nem correto levantar as mãos, mas é necessário marcar de alguma forma. Ao invés de levantar, comum na nossa época, poderia esticar as mãos, gesto tão raro nesse mundo conturbado e perdido de hoje. É preciso estar presente, prioritariamente por conversa, muita conversa, exaustivamente conversa. Isso tudo, antes que outros marquem território e levem nossos filhos para um caminho sem volta, perdido, onde as marcas não serão de corrião, chinelos ou tapas, as marcas estarão para sempre nos nossos corações.

Ninguém, lá atrás ou agora, vendo seu filho correr pelo quintal, ruas, vielas, descalço ou calçado, imagina ou quer uma vida ruim para eles. Muito pelo contrário, cada um, a sua forma, busca pelo melhor, sempre, investindo e direcionando para uma vida digna, mas que não depende só de nós. O futuro, independente da marca do passado nas pernas ou não, serão eles vão poder traçar, definir. O que podemos fazer é participar, marcar, e desta forma, é preciso, já que o Estado se ausenta, se faz cada vez mais presente, conversar, estender as mãos, sorrir e amar, verbo escasso entre as gerações atuais. Talvez nossa marca tenha que ser outra, de apoio, de colo, carinho, de ajuda, porque, sincera mente, acreditamos que essa geração esteja sem rumo. Eles saíram e não avisaram para onde estavam indo. E isso, na nossa época, era motivo para uma boa surra.

por Bruno Ferreira

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