Oito de maio de 2025, por volta das 11h30. Uberaba, Minas Gerais. O coordenador escolar Daniel Campos está na sala da direção quando um alvoroço interrompe uma conversa trivial com os diretores. Na porta, um adolescente, colega de sua filha Melissa, de 14 anos, anuncia que a menina sofreu “um acidente”. A partir desse instante, para Daniel, o tempo pareceu parar. Momentos antes, Melissa havia recebido um papel amassado de um estudante que a conhecia desde o maternal. Na folha, a mensagem “sentença de morte” antecipava o que aconteceria em seguida: ela seria esfaqueada e morreria dentro da sala de aula. “Lá, eu vejo muito sangue, ela já sem reação. Eu fico junto da minha filha, oro com ela. Ainda achava que ia ficar tudo bem”, lembra o pai.
Hoje, Daniel está afastado. “Na troca de bilhetes, o agressor disse que estava com a faca na mochila para matar alguém”, lamenta. Exatamente um ano antes, Daniel havia chamado os pais do menino para relatar que ele havia falado em autoextermínio. “Eu chamei os pais na escola no dia 8 de maio de 2024, e o assassinato da Melissa foi no dia 8 de maio de 2025”. Em outro momento, a família foi avisada de que o jovem havia sido visto comendo uma folha de papel.
Melissa morreu dois dias após uma professora denunciar ser agredida por um aluno em uma escola de Belo Horizonte; dez meses depois de um adolescente de 13 anos ferir dois colegas na capital; e um ano e sete meses após um menino de 14 anos ser assassinado e outros três serem feridos em uma escola de Poços de Caldas, no Sul do estado. Casos separados, mas não isolados de um contexto maior de violência no ambiente escolar: a cada cinco horas, um relato de violência contra crianças e adolescentes em instituições de ensino em Minas Gerais é registrado no Disque 100.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostram que, em Minas, de janeiro a 1º de setembro deste ano, foram 1.207 denúncias, com mais de 6.100 violações – desde agressões físicas e psicológicas até injúria racial e incitação ao suicídio. Nas queixas, o risco de morte da vítima apareceu 103 vezes. Os números embasam a primeira reportagem da série “Saúde Mental à Prova”, que vai mostrar como agressões físicas, psicológicas e virtuais podem ser, em certa medida, gritos de socorro de uma comunidade escolar emocionalmente adoecida.
“A gente espera da vida ser gostado e dar certo. Por que eu agrido? Porque não vejo perspectiva”, diz o coordenador do departamento de Psiquiatria Infantil da Associação Brasileira de Psiquiatria, Francisco Assumpção. “Não adianta estar na melhor escola, ter aulas de inglês, futebol, natação, balé, fazer intercâmbio, e na hora do almoço cada um de casa ficar no celular em um mundo à parte. Porque isso significa ausência de troca de afeto. Fica faltando alguma coisa para essa criança, e o afeto mais fácil de aparecer é a raiva. Mas não adianta sentir raiva dos meus pais, porque me sinto pior ainda. Então eu descarrego esse sentimento em um colega mais fraco”, complementa.
Essa descarga emocional é uma das explicações, mas não a única. “A escola é espelho da sociedade. É onde deságuam as contradições, questões emocionais vividas em todos os outros contextos”, afirma Cléo Garcia, advogada, doutoranda em educação e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem). Ela é uma das autoras da pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos”, usada como referência para políticas públicas pelo Ministério da Educação.
O levantamento mostrou que, de 2001 a 2024, aconteceram 42 ataques violentos a escolas, deixando 44 mortos e 113 feridos no país. Mais da metade dos casos (64,28%) foram desde 2022. “Após a pandemia, nossos jovens passaram a ter necessidade de conexão o tempo todo e uma expectativa de dar certo no momento presente. Isso explica a quantidade de ansiedade, medo e sofrimento”, diz a psicóloga e líder do Gepem, Luciene Tognetta.
Fonte O Tempo.