Nas profundezas da caverna Gruta da Surpresa, em Itabirito, no Colar Metropolitano de Belo Horizonte, a atmosfera é tão carregada de radiação que uma pessoa em certas partes do seu interior chega a ser exposta a 829 vezes mais emissões potencialmente cancerígenas do que ao ar livre.
Em média, no Parque Nacional da Serra do Gandarela, a 40 quilômetros de Belo Horizonte, as cavidades em rocha quartzítica como essa são 476 vezes mais radioativas do que o ambiente aberto, configurando o espaço natural com maiores emissões potencialmente nocivas de Minas Gerais e o segundo mais alto do Brasil, atrás da Caverna Santana, no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (SP), com índice 945 vezes acima da média ao ar livre.
Ainda que não deixe rastro, gosto, cheiro ou temperatura, os altos índices de radiação provenientes do gás radônio (Rn) do decaimento de urânio (U) nas rochas das cavernas do Parque Nacional da Serra do Gandarela ampliam a claustrofobia nos subterrâneos da unidade de conservação. Essa é a sensação que a reportagem do Estado de Minas constatou ao se aprofundar pelas galerias das grutas mais radioativas de Minas Gerais e que foram alvo de medições realizadas por pesquisa que embasa uma tese de mestrado do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As medições nas cavernas mineiras foram feitas para o trabalho científico do engenheiro ambiental Nathan Vinícius Martins da Silva com o intuito de checar qual o nível de radiação proveniente do gás radônio contido em diferentes rochas das cavernas, no caso, as ferríferas (cangas de minérios de ferro), carbonáticas (como as calcáreas) e quartzíticas (rochas compostas por pelo menos 75% de quartzo).
“Isso seria um bom indicativo para estudos sobre perigos para pessoas que passam muito tempo nesses ambientes, como espeleólogos, pesquisadores e até para que a ventilação em minas subterrâneas proteja melhor os mineiros”, alerta o cientista. Foi a primeira vez na história que medições de radônio foram feitas fora de cavernas carbonáticas.
E o perigo pode ser muito grande para quem passa muito tempo nessas profundidades radioativas. De acordo com as políticas sanitárias do Iowa Department of Public Health, órgão que funciona como uma secretaria estadual de saúde no estado norte-americano de Iowa, a exposição de mil pessoas não fumantes ao longo da vida a níveis como os picos de medições da caverna mineira poderiam levar 403 delas a desenvolver câncer de pulmão. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, onde o frio e outros costumes levam à construção de porões, as concentrações de radônio são casos de saúde pública e campanhas para monitoramento. O perigo também vem do solo, por meio do decaimento do radônio.
Mas, antes de gerar pânico, o engenheiro ambiental Nathan Silva afirma que para a ocorrência de danos à saúde humana seria necessária uma prolongada e frequente exposição aos ambientes fechados das cavernas. “Para quem for esporadicamente a um ambiente desses a radiação é insignificante. Mas é preciso de estudos para saber se pesquisadores, espeleólogos e guias turísticos, por exemplo, desenvolvem mais doenças relacionadas a essa exposição, como o câncer. Não é, também, uma ciência exata: inalou radônio vai ter câncer”, salienta Silva.
No final da pesquisa, o engenheiro ambiental coloca várias sugestões de estudos posteriores que podem responder a perguntas que não puderam ainda ser elucidadas. “Esse estudo mostra como o mundo subterrâneo pode ser surpreendente. As cavernas passam despercebidas, não há tantos movimentos para a sua preservação. Talvez pelas pessoas não terem um turismo de cavernas. São ambientes carentes de estudos. Ainda engatinhamos no Brasil. Precisamos de mais pesquisas e políticas públicas”, afirma Nathan Silva.
Via Estado de Minas