Comprar é um ato de revolução
Antes da pandemia, já era fato consumado que a indústria da moda precisava se tornar mais sustentável. É inadiável produzir menos e com mais responsabilidade social? Sim. Mas tais mudanças dependem também de um necessário novo comportamento de consumo, com clientes conscientes em priorizar qualidade à quantidade. Não basta só apontar o dedo para as marcas. O consumidor tem poder, tem impacto, emite sinais do que deseja, a mudança está também nas suas mãos.
Propósito e conexão
Além (ou justamente com) da mudança de ritmo, é hora de marcas se reconectarem com seu verdadeiro propósito, questionarem seu papel no mundo, exercerem ao máximo sua criatividade, mergulharem em seu DNA e entenderem o que os torna únicos. A moda tem que ficar mais humanizada e, diante disso, os consumidores irão, cada vez mais, só se conectar com marcas pelas quais se sintam respeitados, alinhados com seus próprios valores.
Empreender é algo muito solitário. A valorização do produto local para uma economia mais sustentável é um ótimo começo, e temos excelentes criadores e excelente mão de obra na cidade, como Soho Brechó(@sohobrecho), AHUARA (@ahuara.co) e diversos artesãos autônomos.
Inúmeras coleções e peças produzidas geram, consequentemente, inúmeras sobras. A indústria caiu em um círculo vicioso, no qual as liquidações começam cada vez mais cedo e duram cada vez mais tempo, então consumidor se acostumou a comprar a preço de sale, e o produto acaba desvalorizado e sendo descartado rapidamente. A pergunta é: o que iremos fazer com tanta coisa? O resale é uma resposta. Um relatório de 2019 da McKinsey (empresa americana reconhecida como a líder mundial no mercado de consultoria empresarial) prevê que o mercado de revenda em uma década poderá ser maior do que o de fast-fashion – uma perspectiva animadora caso você se desespere com os milhões de toneladas de itens jogados nos lixões anualmente.
É com essa pegada que o Soho Brechó opta pela moda circular e garimpo, que é o consumo consciente e limpo de roupas aliado a um processo que envolve desde a escolha dos produtos que serão postos à venda, até a higienização, reparação e armazenamento cuidadoso das peças. O Soho veio de início só como um “desengaveta”, em que tinham muitas peças e fizeram um descarte e, depois de um tempo, notaram que muitas peças que já existiam não possuíam um destino que não fosse lixo. Segundo as empreendedoras proprietárias Ana Beatriz Pereira e Vanessa Alves “A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, perdendo apenas para o petróleo, então fazer circular algo que não se usa mais faz sentido para outra pessoa e ganhou peso e sentido – um propósito. Elas acreditam que podemos diminuir o consumo de moda desenfreado. Tabus foram quebrados ao associar brechó com algo sujo e energias ruins, mas a única energia que correu (e corre!) no trabalho do Soho Brechó até aqui, é a de garimpar, fazer a curadoria e levar até o cliente uma peça única, exclusiva, cheia de história, com estilo e autenticidade. No ano de 2020 até aqui foram resgatadas mais de 2000 peças onde não foi necessário nenhum novo recurso, seja ele mineral, ou provido de mão de trabalho suspeito”.
Isso que estamos vivendo também é falta de valorização do processo de produção, pois o consumidor não tem ideia de quanto custa fazer uma roupa no Brasil e por isso acha que paga caro em uma peça, o que acaba gerando as promoções. É preciso ter mais transparência desses custos: o tamanho do imposto, o valor da mão de obra etc, para que o cliente de fato entenda o preço de uma peça de roupa.
É assim que a AHUARA propõe seu modelo de negócio totalmente administrada por Vinícius Bedeschi – ele quem estampa, cuida da gestão, das redes sociais, logística e tudo o mais. Voltada ao estilo de vida Outdoor, a marca se enquadra no Slow Fashion, tendo sua produção em baixa escala, estoque limitado e controle de toda sua cadeia produtiva. Além disso, tem como premissa a utilização de tecidos de origem nacional e sustentáveis, com certificações internacionais, como é o caso da malha de algodão com selo BCI (Better Cotton Initiative – Genebra, Suíça), que já é utilizada em sua primeira coleção. A AHUARA atua em parceria com costureiras locais, incentivando essas profissionais não só quanto a geração de renda, mas também propondo inovações através de suas peças, a fim de valorizar o processo produtivo e garantindo maior controle de qualidade do produto final. Toda a parte de estamparia das roupas é realizada no ateliê da própria marca, utilizando tintas à base d’água, com o objetivo de não gerar impactos ambientais na cadeia produtiva, bem como no ciclo de vida do produto. Seu lançamento trouxe inicialmente produtos casuais, todos com essa característica sustentável. O objetivo é que em breve a marca passe a produzir também peças utilitárias para atividades Outdoor, como trilhas, camping, dentre outras, mantendo o padrão de qualidade já proposto. Além de peças atemporais, a intenção é que essa modalidade de vestuário entregue maior resistência contra rasgos e intempéries, gerando segurança nas atividades e otimizando o ciclo de vida do produto.
Honestamente, é um pouco estranho escrever sobre o lado ruim da superprodução e superconsumo. À medida que consumidores se orientam em direção a peças com mais propósito e com ciclo de vida mais longo, espera-se ver a moda reimaginando de modo criativo itens básicos e dispensando a ideia de que cada coleção nova precisa apagar a anterior.
O que está em alta é fazer uma moda feliz para todos, não importa o tamanho, gênero ou etnia.
por Ana R. Melo, Vinícius Bedeschi, Ana Beatriz Pereira e Vanessa Alves.