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A pandemia causou diversos efeitos colaterais na sociedade, entre eles a evasão escolar. Conforme o levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que foi divulgado pela Secretaria de Estado de Educação (SEE), do total de 1,7 milhão de alunos matriculados na rede estadual, 124,1 mil jovens mineiros – ou 7,3% – deixaram as salas de aula entre março de 2020 e janeiro de 2021.

Para tratar desse assunto e ainda avaliar a democratização da informação digital e presencial no ensino público e privado no período pós-pandemia, o grupo Decisão – responsável por integrar unidades de ensino no Estado – promoveu o 3º Encontro de Mantenedores, na última quarta-feira, na capital.

Antes de falar sobre a “nova escola” (pós-Covid-19), o chefe de gabinete da SEE, Gustavo Braga, ressaltou que um dos principais motivos para a evasão escolar em Minas ocorre por causa da questão financeira. Muitos jovens, segundo a autoridade, deixaram precocemente as salas de aula e foram para o mercado de trabalho. Além disso, a dificuldade de acesso às plataformas digitais afastou muitos alunos.

“Infelizmente tivemos muitas barreiras quanto ao ensino remoto. Muitos jovens veem os pais perderem seus empregos, então a família começa a contar com o resultado da mão de obra daquele adolescente para garantir a subsistência familiar. Outro ponto é que muitas famílias estavam impossibilitadas de ter um telefone com internet”, exemplificou Braga.

João*, de 16 anos, é um dos adolescentes que precisaram largar os livros para colocar comida na mesa. Durante a pandemia, ele não fez sequer uma aula pela internet, já que não tem acesso a um telefone ou computador. No começo do ano passado, ele parou de tentar aprender sozinho, quando a mãe, ajudante de cozinha, ficou desempregada.Na comunidade Cabana do Pai Tomás, na região Oeste de BH, ele divide a casa com a mãe, de 39 anos, e seis irmãos pequenos. Já sem o salário de R$ 1.100, o adolescente começou a arrumar “bicos” e repassar R$ 100 para a mãe, que fazia uma “mágica” para sustentar todos. “Como eu nunca fiz o online, não senti falta de não estar estudando”, contou. Há três semanas, João voltou para a sala de aula. “Presencial é melhor. A gente só precisa de caderno, lápis e borracha”, contou.

O professor Francisco Morales, que participou do encontro de especialistas, acredita que a escola no pós-pandemia deve extrapolar os conteúdos pedagógicos, inserir princípios humanitários e garantir o acesso de todos à educação, inclusive do João*. “A pandemia nos trouxe a clareza de que a escola deve ser vista como um lugar que ajude a construir a igualdade de oportunidades”, disse.

Ensino próximo e humano é o futuro 

O  diretor pedagógico Sérgio Godinho defendeu, no 3º Encontro de Mantenedores, na última semana, o ensino mais harmônico, livre e menos burocrático, com menos regras.

“A educação foi muito formalizada. As carteiras enfileiradas estão associadas à ideia de educar por meio de notas. A melhor maneira de educar é fazer com que os alunos aprendam de forma próxima e humana. O aprendizado mais autônomo faz parte do processo de desenvolvimento humano, como foi revelado na pandemia. Esse tipo de ensino existe em BH e precisa ser levado para todos por meio da transformação educacional”, explicou o educador.

Já o chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Gustavo Braga, considerou que, no pós-pandemia, um dos desafios é resgatar a proximidade da comunidade escolar. Para tanto, o ensino não poderá ser apenas remoto, e sim híbrido.

Ele informou que os recursos de educação a distância serão mantidos, mas serão “atrelados ao reforço dos vínculos entre professores e alunos com as aulas presenciais.

Entrevista com o professor Francisco Morales:
Durante o 3º Encontro de Mantenedores, o filósofo e teólogo Francisco Morales explicou que uma das diretrizes do novo plano educacional para o período pós-pandemia deve se basear no fomento de ideias capazes de colaborar com a igualdade de acesso a oportunidades e o senso humanitário nas escolas.

Qual seria o principal pilar da escola após a pandemia? Eu tentei, em primeiro lugar, fugir um pouco das obviedades porque muitas escolas no pós-pandemia estão caindo muito no óbvio. Colocar álcool em gel, separar os alunos, fazer aulas remotas, usar tecnologias. A minha fala foi tentando resgatar a essência da escola. Do meu ponto de vista, a pandemia nos ajudou a perceber alguns pontos importantes que a escola moderna havia perdido. E eu resumiria em três: o papel importante que a ciência volta a ter na escola. Não é que antes não tivesse, sempre teve. Mas, como a gente viveu dois anos em um processo no qual o negacionismo, as fake news estiveram muito presentes nas mídias sociais, nos meios de comunicação de massa, na grande mídia… há um trabalho que a escola deve fazer com seus alunos para que, por meio do pensamento crítico e do pensamento autônomo, eles consigam perceber o que é uma fake, uma mentira, uma negação da verdade. Porque somente quando trabalhamos a ciência, trabalhamos essa consciência crítica e autônoma, nós vamos poder construir uma realidade diferente. Porque vamos tornar a manipulação científica e do conhecimento não diria impossível, mas pelo menos mais difícil.

O que a pandemia trouxe de positivo? Outro ponto importante que eu acho que a pandemia nos trouxe, e a gente não pode negar isso, é a importância das novas tecnologias em questão de aprendizado. Mas as novas tecnologias devem estar a serviço da educação, e não a educação a serviço das tecnologias. Porque, se a gente fizer isso, a gente pode tornar o aprendizado uma forma de robotização, como se um algoritmo, uma plataforma, fosse suficiente para formar um ser humano, e não é.

Como a escola no pós-pandemia pode valorizar conceitos e princípios humanitários? O papel da escola extrapola pura e unicamente o transmitir conhecimento intelectual. O papel da escola do futuro (pós-pandemia) trata de desenvolver cidadãos com instintos de igualdade e desenvolvimento igualitário.

O senhor acha que esse futuro está distante? Está distante, sim. Mas temos que lutar desde já. Não sabemos quando isso vai acontecer, mas o nosso futuro é nosso presente. Se não construirmos o presente, nosso futuro será ruim. Se a gente ajudar a construir um presente melhor, possivelmente o futuro será melhor.

Informações: O Tempo

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