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Só este ano, mais de 20 pessoas tentaram tirar a própria vida em Barroso.

Os dados são da Polícia Militar e estão sendo divulgados, com exclusividade, pela primeira vez pela reportagem do Barroso EM DIA. Falar ou não falar sobre o assunto? Eis a questão. Posicionamentos diferentes à parte, os números são alarmantes. A cada 40 segundos, tempo aproximado que você vai levar para ler o primeiro parágrafo desta matéria, uma pessoa comete suicídio no mundo. A estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS) chama atenção para a urgência de derrubar as barreiras que cercam o tema. E se, por muito tempo, falar sobre isso trazia desconforto, agora conscientizar é um caminho rumo à prevenção.

Apesar dos mitos envolvendo o tema, a prevenção ao suicídio avança. Na década de 1980, um estudo nos EUA afirmava que esse tipo de morte poderia ocorrer por imitação. E esse trabalho reforçou a ideia de que “não deveríamos falar sobre o assunto”. Mais de 30 anos depois, a Organização Mundial da Saúde vai na direção contrária e diz que sim, que precisamos conversar sobre o suicídio.

E o “Setembro Amarelo” é a campanha que marca o mês dedicado à prevenção ao suicídio. No Brasil, ela é uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV) da Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina. Neste ano, o tema da campanha foi “Agir salva vidas”.

Mas o que acontece quando o Setembro Amarelo, como agora, se vai e o “escuro”, ambiente preferido das pessoas depressivas, prevalece? Para tentar entender esse universo e as reações que levam o ser humano ao autoextermínio, o Barroso EM DIA ouviu profissionais ligados à causa, familiares e as próprias pessoas que tentaram ou cogitaram tirar a própria vida. Portanto, depois de inúmeros debates acerca do assunto, a direção deste meio de comunicação resolveu falar sobre o suicídio como forma de prevenção. “É um assunto muito delicado e pessoal. No entanto, analisando os números de nossa cidade, resolvemos falar sobre o suicídio de forma responsável e não fantasiosa”, declara o editor-chefe do Barroso EM DIA, Bruno Ferreira. “Me sinto incomodado já há alguns anos ao ver o crescimento dos casos e não falar sobre isso. A princípio o assunto era um tabu dentro da redação, mas chegamos à conclusão de que precisamos falar sim, mas afirmo, de forma responsável e respeitosa”, declara. Desde 2003, o dia 10 de setembro é considerado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. A data foi criada pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela Organização Mundial da Saúde para chamar a atenção de governos e da sociedade civil para a importância do assunto.

NÚMEROS

De acordo com os dados levantados pela reportagem, somente neste ano de 2021, restando ainda três meses para o fim do ano, 20 pessoas atentaram contra a própria vida. Os dados foram repassados pela Polícia Militar no último dia 16 de setembro e correspondem somente àqueles casos cuja a polícia é acionada ou avisada, o que reforça a ideia de que na realidade os números devem ser bem maiores, já que estudos mostram que a maioria dos casos não são divulgados, mas, pelo contrário, são acobertados pela própria pessoa ou pelos familiares que não querem falar sobre o assunto. Em outro olhar, os números das tentativas de autoextermínio em Barroso mostram que a cada 15 dias um cidadão barrosense atentou contra a própria vida nos últimos nove meses. E mais, das 20 tentativas, quatro são de menores de idades – pessoas com idade inferior a 18 anos. A maioria, 11, são mulheres. Nove pessoas do sexo masculino também atentaram contra a própria vida. A mais jovem tinha apenas 14 anos de idade e a mais velha 68 anos. Dos 20 casos relatados, um foi consumado: um homem de 65 anos por enforcamento.

Para o Doutor Felipe Fortes de Andrade, 43, psiquiatra de Barbacena, a pandemia de fato precipitou os casos de tentativas e consumados de autoextermínio porque houve um aumento no número de transtornos psiquiátricos. “Associado a isso a gente tem os transtornos depressivos e os ansiosos, além dos fatores econômicos que também podem levar ao aumento destes números”, diz Fortes. “Cabe aqui salientar que quando a pessoa está depressiva e faz o uso de drogas aumenta muito o risco dela cometer um suicídio”, relata o psiquiatra que reforça que estes casos devem ser acompanhados por um profissional da saúde mental. “Devemos procurar ajuda, sejam os consultórios ou os serviços públicos como o CAPS, diz o doutor que também fala que, em casos graves, é necessária a internação do paciente.

Um outro dado repassado à reportagem é com relação ao gênero sexual. Segundo Fortes, as mulheres atentam mais contra a vida, mas se salvam. Já os homens, atentam em menor número, mas são mais efetivos. Por fim, um dado ao qual todos devem ficar atentos é com relação ao fator de risco. “Se a pessoa já atentou contra a vida uma vez, a chance dela reincidir e ter êxito é o principal ponto que devemos ficar atento”, relata o médico que reforça a importância de todos ao redor ficarem atentos.

E OS NÚMEROS CONTINUAM CRESCENDO NA CIDADE

E se as contas continuarem neste ritmo, os números deste ano podem superar os do ano passado. Segundo informações da Polícia Militar, foram 25 tentativas em 2020, ou seja, a cada mês duas pessoas tentaram tirar a vida na cidade de Bar- roso. Nos dados divulgados o número de mulheres, assim como deste ano, até o momento, foram maiores. Foram 21 mulheres atentando contra a própria vida somente no ano passado. Os outros quatro casos foram de homens. Entre os 25, sete eram menores de idade. Foram duas tentativas consumadas: uma mulher de 40 por enforcamento e um homem de 32 por ingestão de remédios. O caso mais novo de tentativa é de um adolescente de apenas 13 anos e o mais velho de um homem de 48. O que vale reafirmar é que os números apresentados são aqueles em que a Polícia Militar lavrou os boletins de ocorrência no município. Nenhum nome, ou sequer bairro, foi divulgado para a reportagem do Barroso EM DIA.

VÍTIMAS

“Com a chegada da pandemia tive problema com o meu empreendimento e as coisas foram ficando cada vez mais complicadas dentro de casa. Você pensa em várias soluções, mas não consegue sair daquelas dívidas e vai enfiando dentro de uma situação desesperadora. E realmente vi que estava séria a coisa quando pensei em tirar a própria vida”, conta uma fonte à reportagem do Barroso EM DIA que, consumida pela depressão, pensou, mais de uma vez, em dar fim à própria vida. “Você vê ali a sua família em situação complicada e vê que não pode fazer nada. É muito doloroso. É a pior sensação do mundo”, declara um barrosense que não terá seu nome revelado. No entanto, ele é apenas um daqueles que não se encaixam nos números, porque apenas pensou, mas não chegou a atentar contra a própria vida. “Tive que conversar demais com parentes e com a minha esposa para sair desta situação. Hoje, mais calmo, vejo que quase fiz uma grande besteira”, conta a vítima que se encaixa nos números dos casos que sequer são oficializados.

Já outro parente de uma pessoa que tentou contra a própria vida relata que toda a família sofre com o que acontece, pois a situação fica muito tensa entre todos os que convivem no ambiente. “Aqui, convivemos com isso e realmente fica difícil lidar com o momento, pois ninguém fala, ninguém tenta conversar e você vê que a pessoa vai cada vez mais se afundando. E depois que tenta uma vez tudo piora, pois fica quase que irreversível a situação e muitas pessoas, da própria família, começam a julgar”, diz outra fonte que tentou ajudar um parente a sair da situação de enfrentamento à depressão. “Todo mundo aqui em casa ficava falando que era frescura, que era falta de serviço, que tinha que arrumar alguma coisa para fazer, mas ninguém procurava ouvir a pessoa. Depois que fez o que fez, olharam com outro olhar e resolvemos procurar ajuda médica”, descreve o parente de uma pessoa em depressão. Mas os casos de depressão são apenas um dos gatilhos para o autoextermínio. O uso de drogas, lícitas e/ou ilícitas, também leva o ser humano a tentar tira a própria vida. “É uma doença que tem que ser tratada como doença. Não se pode tentar resolver no grito, na porrada. Somos prova disso e sabemos que é preciso muita conversa e atitude para ajudar a pessoa a sair desta situação incômoda”, conta uma terceira pessoa que também convive com um ser humano que já atentou contra a própria vida devido ao vício de bebidas e drogas.

MOTIVOS

Mas o que leva uma pessoa a atentar contra a própria vida? Se a resposta fosse fácil talvez os números fossem menores. Esta é justamente uma das perguntas que muitos profissionais não conseguem responder. Os motivos são diversos, ou seja, desde fim de relacionamentos, passando por questões financeiras ou até mesmo insatisfação pessoal e uso de drogas.

Pesquisadores americanos analisaram os dados de 15 mil pessoas que se mataram em todo o mundo entre 1959 e 2001. A conclusão: o maior percentual dos casos estava ligado à depressão (35,8%) e, em segundo lugar, estavam os transtornos decorrentes do abuso de substâncias lícitas, como o álcool e o cigarro, e também das ilícitas.
Os familiares e amigos devem, sobretudo, se dispor a se aproximar de alguém que demonstra estar sofrendo ou que apresenta mudanças acentuadas e bruscas do comportamento. É preciso estar disposto a ouvir e, se não se sentir capaz de lidar com o problema apresentado, ir junto em busca de quem possa fazê-lo mais adequadamente, como um médico, enfermeiro, psicólogo ou até um líder religioso. De acordo com os médicos, o ideal é que a pessoa seja
encaminhada a um psiquiatra e seja medicada.

CAPS

Inaugurado em dezembro de 2020, o Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS, de Barroso, é um serviço de saúde com as portas abertas à comunidade. O CAPS é constituído por uma equipe multiprofissional e que atua sobre a ótica interdisciplinar e realiza, prioritariamente, atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Ele funciona na Rua Oliveira, 437, no bairro São José. O horário de funcionamento é de 8h às 17h. Para saber mais detalhes, basta procurar o local. O CAPS conta também com um leito de saúde mental no hospital de Barroso.
Hoje a equipe é formada por um médico com formação em saúde mental, um médico supervisor clínico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, técnico em enfermagem, recepcionista, coordenador e auxiliar de serviços gerais. E mais, o órgão público tem atendimento individual, psicoterapia e atendimentos em grupos e oficinas terapêuticas. Além de visitas domiciliar, atendimento à família e atividades comunitárias com enfoque na integração do paciente na comunidade e sua inserção familiar e social. Procure o CAPS, ligue 3351-2500.

AJUDA

Mas entre os espinhos, existe vida, luz e flores. E o apoio vem de quem também enfrenta a depressão e fala com naturalidade do problema. Com o objetivo de ajudar outras pessoas, Ana Beatriz Pereira Cassemiro Lopes,
27, proprietária do Soho Brechó, que combate a doença desde os 15, teve a ideia de criar, ao lado da sua psicóloga, Cíntia Campos, um projeto que está nascendo em Barroso. Intitulado “Um dia de cada vez”, o projeto ganhou força depois da perda de uma amiga para a depressão. “Nós fomos muito amigas na nossa adolescência e eu sempre soube dessa luta que ela travava contra a depressão”, diz Ana que explica que o projeto vai ser no formato de roda de conversa onde os participantes darão seu relato sobre o que têm passado e os outros participantes poderão ajudar. “E tudo acontecerá com o apoio profissional de duas psicólogas que toparam ajudar, Cintia Campos e Joseany Tostes, que farão parte desse time.

Estou muito feliz por estar tirando essa idéia do papel e podendo ajudar as pessoas que precisam, mas não tem condições de pagar um tratamento psicológico”, conta Ana que ainda não decidiu sobre o local e se será online ou presencial. O projeto será gratuito e será lançado em breve.

 

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