Como uma tragédia que se insere na outra, as enchentes típicas de janeiro podem agravar a pandemia do novo coronavírus em Minas Gerais e demandam ações urgentes do poder público. O alerta é dos infectologistas diante do cenário que promete se instalar no estado nas próximas semanas: milhares de desabrigados aglomerados em abrigos improvisados, onde imperam precárias condições de higiene, além da proliferação de outras doenças infectocontagiosas além da COVID-19, gerando ainda mais sobrecarga ao já combalido sistema de saúde dos municípios mineiros.
Números
O saldo dos temporais do início do ano passado permite vislumbrar o que Minas pode estar prestes a enfrentar. Segundo dados da Defesa Civil estadual, o total de atingidos pelos alagamentos ultrapassou 94,7 mil – 82,6 mil desalojados e 12,1 mil desabrigados. O número de municípios em situação de emergência ou de calamidade pública chegou a 218. De outubro de 2020 a janeiro de 2021, já são 720 afetados pelas enchentes – 135 desabrigados e 585 desalojados. Seis cidades estão com decretos de situação de emergência vigentes.
A meteorologia, até o momento, também não permite fazer projeções otimistas. Para a primeira semana de 2021, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê chuva sem trégua em Minas. Na capital mineira, o Inmet calcula que, nos quatro primeiros dias de janeiro, já tenha chovido 44,8% do previsto para todo o mês.
É praxe que as vítimas das enchentes sejam acolhidas em alojamentos temporários, montados em ginásios e escolas – como ocorreu em janeiro passado nas cidades de Contagem, na Grande BH, além de Espera Feliz e Caparaó, na Zona da Mata. O infectologista Estevão Urbano lembra que o potencial de aglomeração desses locais é grande, o que pode favorecer a propagação do novo coronavírus. Ele também ressalta que, nos abrigos, as condições de higiene costumam ser ruins, com banheiros compartilhados por muitas pessoas, banhos limitados e poucas torneiras à disposição.
Protocolos
Entre as medidas a serem adotadas nos alojamentos, o médico cita o cálculo antecipado da lotação de ginásios e escolas e a acomodação das vítimas dentro das salas, de modo a proporcionar maior distanciamento social entre os desabrigados. “O ideal é que a ocupação dos imóveis não ultrapasse 30% da capacidade total”, orienta o especialista.
Outras providências recomendadas seriam a distribuição de kits de higiene com detergente, sabonete, máscaras, álcool em gel e outros artigos do gênero, além da fiscalização do cumprimento dos protocolos estabelecidos. “A testagem periódica das comunidades durante o tempo em que elas permanecerem desalojadas também seria bem-vinda”, observa o especialista.
Para o consultor científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, o ideal é que, na medida do possível, os municípios procurem alojar as vítimas dos alagamentos em pousadas, pensões e hotéis, onde podem ser separadas por núcleo familiar. “Evidentemente que só uma minoria de cidades poderá fazer isso. Para aquelas que puderem, no entanto, esse é o melhor dos mundos”, pondera o infectologista.
Planos genéricos
O Estado de Minas solicitou à Coordenadoria Estadual de Defesa Civil e ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais que detalhassem o planejamento para o período chuvoso no contexto da pandemia. A coordenadoria informou que “orienta os municípios a acomodarem as famílias em moradias temporárias, mediante a utilização de aluguel social”. “Em caso de emergência, o município pode, também, acomodar as famílias em escolas da rede pública, desde que haja o devido distanciamento, conforme recomendações expedidas pela Secretaria de Estado de Saúde para o enfrentamento à COVID-19”, diz a nota enviada à reportagem.
Belo Horizonte
Ibirité
Santa Luzia
Muriaé
Aguanil
Contagem
Betim
A prefeitura não detalhou protocolos de acolhimento de desabrigados das chuvas durante a pandemia. Em nota, afirmou que “segue articulando ações de suporte às famílias atingidas pelas chuvas e atualizando o plano de contingência”.