Compartilhe:

(Crônica publicada no jornal Estado de Minas em agosto de 2007)

Mesmo que seja para sofrer e me arrepender com os erros, tenho coragem de em plena fase de maturidade intelectual, apertar as mãos sobre o peito e pedir um favor ao maior e mais competente dos órgãos: o coração. Faça-me este favor, preciso mesmo que seja para sentir a dor da infância pobre, porém feliz, voltar aos tempos da beira da linha e ver rapidamente, assim como passa a vida, o trem desfilar novamente diante dos meus olhos, quero escutar outra vez o apito ensurdecedor daquela máquina que um dia tive medo. Como se fosse meu último pedido, espero coração que possa buscar os momentos quase esquecidos do meu tempo de criança na minha cidade natal, na minha Barroso, onde o cheiro de cimento ainda habita na minha memória.

Bate, pulsa e tenta retomar o tempo que se foi sem ao menos dizer adeus. Acelera o batimento e corre atrás de um passado que não volta mais, vai, me faça esse favor, me traga de volta a meninice do interior, onde a fragrância da terra molhada ainda mora nos meus sonhos, me traz os discos de vinil de volta, as figurinhas conquistadas a tapas entre os colegas, as peladas de fim de tarde no campinho perto da casa da vovó, meu tênis bamba, minha camisa do Flamengo que o tempo deu conta de levar, aproveita o embalo coração e traz as vitórias do meu time também, elas sumiram. Corre, pula, se vira e volta no passado só para buscar tudo àquilo que quase foi apagado da minha mente, traz os meus amigos, deixe por lá meus inimigos, me oferte com o doce de leite da mamãe, deixe as professoras chatas do colégio, mas busque aquela com que eu cheguei a me apaixonar mesmo sem saber o que era isso, me traga as namoradinhas da Rua do Santana, me ensine a brincar de cair no poço novamente, jogar amarelinha, pular corda, pique garrafão, o gosto estranho e medroso do meu primeiro beijo, me traga o cartucho do Pac Man, o pulouver bordado à mão pela vizinha, o feijão da tia Elza,  meu carrinho de rolimam, as palmadas do papai, meu time de jogo de botão que ainda está invicto, as festinhas americanas com guaraná de garrafa, o ritmo da lambada, enfim coração, órgão muscular, agente principal da circulação do sangue, me traga as lembranças e as marcas da infância de volta, me dê mais uma chance de rever o que já se foi, me dê a oportunidade de pedir a benção do meu pai que já não vive mais entre nós mortais, me traga as guerras em cima da laje da minha casa, que nunca acabaram em sangue, os erros de português, os puxões de orelha, os castigos. Eu imploro coração, quero a dor do tombo ao aprender andar de bicicleta, o cheiro da broa de milho, o pique esconde, aquela vontade de querer aprender, se me permite coração quero roubar de novo além daquele beijo, as frutas da horta da Dona Cicí, quero tudo e sem ter hora para voltar, como no início.

boa_alimentacao_na_infancia

Atropela os obstáculos e conquista novamente para mim os troféus das gincanas, o faroeste na cerâmica, os pênaltis perdidos na graminha e que até hoje não aprendi converte-los, vai lá órgão que não deve e não pode parar de bater, aproveita que está no passado e traga as tardes que invadiam as noites, mas deixe por ai minha raiva de algumas pessoas, minhas mágoas quanto alguns casos, aproveita e acha ai a minha inocência, ela me fez feliz por muitos anos, como pude perdê-la ?

Vai coração, recorra aos céus, peça ajuda ao presente e volte ao passado para buscar tudo o que não pude trazer comigo, nem que seja por alguns segundos, mas me deixe ser criança novamente, eu sei que não é permitido, que é contra alguns princípios, mas hoje em dia tem tantas coisas que são contras as normas e leis. Aproveita este resto de pureza que ainda residi no meu ser e me leva de volta para o mundo que era do meu tamanho, me deixa ter a dificuldade de subir naquela árvore de novo, me deixa perguntar outra vez o que significa amor, eu não entendi e não vou entender mesmo. Vai coração dá seus pulos como já está acostumado e me presenteia com o sorriso completo do vovô, as cantigas do tio Tuti nas manhãs de segundas-feiras, quero errar de novo, quero pular carnaval sem preocupar com as dividas, quero ensinar mais dessa vez, me traz a alegria da família inteira na mesa do almoço, enfim, me traga todas as horas, não deixe me faltar nada, nem um minuto, quero viver tudo novamente e não perder um segundo, aliás, foram dias e mais dias pensando e imaginando te pedir tal proeza.

Portanto, prometo do fundo meu coração que se me der essa chance, vou reviver cada detalhe como se fosse o último, até porque era isso que eu deveria ter feito, mas não sabia que sentiria tanta saudade, como agora sei, quero aproveitar o máximo para quando chegar nessa mesma fase poder olhar para trás e ver que não preciso voltar no tempo, porque ele nunca será esquecido, pois além de estar gravado na minha cabeça estará também escrito nas páginas de alguns jornais.

Por Bruno Ferreira

Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.