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A história do Hospício Colônia de Barbacena nos humilha e choca e constrange e deprime. É um episódio negro que revela o que existe de pior na sociedade em que vivemos. O livro Holocausto Brasileiro da escritora Daniela Arbex revela em riqueza de detalhes o estado de absoluta miséria pelo qual viveram e morreram dezenas de milhares de brasileiros por longas décadas no século XX. Apesar de ser uma história contada no passado, o livro é absolutamente contemporâneo e nos ajuda a compreender o atual contexto brasileiro, mineiro e barrosense.

O Colônia surgiu em 1903 para oferecer a todos aqueles acometidos de doenças mentais, de todo o Brasil, a oportunidade de se tratarem e de terem uma vida mais digna, claro, dentro dos paradigmas de atenção à saúde vigentes à época de seu surgimento. Aos poucos foram chegando à cidade vizinha os “trens de doido”, apelido cunhado pelo escritor Guimarães Rosa ao presenciar a chegada dos pacientes pela via férrea. Muito rapidamente os recursos se tornaram escassos, o número de pacientes se multiplicou para além da capacidade do local e a vida de todas aquelas pessoas se transformou em um verdadeiro inferno.

No Colônia praticamente não havia camas, os pacientes ficavam amontoados no chão, tentando se aquecer e se acomodar com capim e palha. No Colônia não havia roupas, os pacientes ficavam nus.  A comida era absolutamente precária e escassa e não era raro que os pacientes comessem ratos, pombos e até fezes. A infraestrutura inadequada tornava o esgoto uma presença em todos os lugares e também fonte de água “potável”.  O cotidiano era a tortura, supermedicação, eletrochoques… Dentre as formas de tortura, era recorrente molhar os pacientes e deixá-los ao relento durante as madrugadas de inverno barbacenenses.

Em meio ao absurdo, a morte era presença cotidiana. Ao longo de 80 anos, o Colônia matou 60.000 brasileiros. A morte era também um negócio lucrativo e obedecia a um sistema complexo e institucionalizado de descarte de corpos, os quais serviam às faculdades de medicina de todo o Estado. Em realidade, a própria existência do Colônia servia para a exclusão de seres humanos do meio social das formas mais brutais e arbitrárias.

E quem eram os pacientes do Colônia? Em sua minoria (30%) eram indivíduos com algum tipo de problema mental, porém, dentre os descartados havia também mendigos, prostitutas, alcoólatras, dependentes químicos, filhos bastardos, rebeldes, analfabetos, velhos abandonados, crianças rejeitadas, pobres, negros… Em sua maioria (70%) eram pessoas em absoluta sanidade mental que, junto com os pacientes mentais, foram condenados, sem julgamento, a esta terrível prisão. Foram condenados pelo simples fato de não se enquadrarem aos padrões sociais ditos normais.

O caso do Colônia é um triste retrato da barbárie que a sociedade pode praticar contra seus membros mais discriminados. O holocausto acontece quando a instituição que deveria tratar, tortura; quando a instituição que deveria cuidar, negligencia; quando a instituição que deveria proteger, mata. Casos como tais, infelizmente, não são exceção no Brasil, pelo contrário, acontecem diuturnamente. Basta abrir os olhos para nos deparamos com a violência familiar, patriarcal, estatal, policial… Quando isso acontece, somos todos ultrajados em nossa dignidade, somos todos vítimas, estamos todos ali, somos todos Valdeci.

por Antônio Claret

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